Aos longo dos últimos 15 anos, poucas iniciativas independentes na área de mídia, comunicação e empreendedorismo conseguiram ficar de pé. Um número ainda menor atingiu a façanha de se manter atuante em alto nível e com uma pegada inovadora. É neste contexto que é preciso analisar a trajetória do Instituto Mídia Étnica (IME), ONG baseada em Salvador e que nasceu do sonho de jovens estudantes de comunicação.
Em comum, eles tinham também o incômodo de ver como a mídia de mainstream, e mesmo a independente, tratava as pautas populares e retratava a comunidade afro-brasileira. O primeiro desafio da turma foi reinterpretar e ressignificar expressões do dia a dia, entronizadas pelos jornalistas e comunicadores em geral, como sendo sinônimos depreciativos.


A primeira providência foi “enegrecer a mídia”, por meio de palestras em emissoras de TV, jornais, centros acadêmicos etc. Foi neste contexto que surgiram projetos exitosos, e de grande alcance, como o Portal e a TV Correio Nagô, cujo acervo reúne alguns dos momentos marcantes da história da cidade. A começar por entrevistas com personalidades nacionais, como Gilberto Gil, e internacionais, como o diretor americano Spike Lee.
Se fosse apenas isso, já seria motivo de sobra para comemorar. No entanto, a turma que toca o IME foi muito além deste ponto. Sua sede, batizada e Casa do Mídia Étnica, vem abrigando iniciativas inovadoras e de alcance mundial, graças a parcerias com instituições globais, como o MIT (Massachusetts Institute of Technology), dos Estados Unidos. Foi de lá que eles trouxeram a tecnologia Vojo, por exemplo.
Para celebrar os 15 anos do IME, os dirigentes da ONG realizam na segunda-feira (30/11), uma LIVE onde vão passar em revista essa e outras histórias deliciosas. Nesta entrevista, Luciane Neves, diretora-executiva do IME, fala da trajetória do Instituto e dá pistas sobre o que está sendo planejado para 2021.
Em 15 anos, o IME se converteu num espaço de inovação e ressignificação da comunicação e do ativismo em Salvador. Quais são os principais aprendizados da equipe de fundadores neste período?


Entrei no IME um ano depois de sua fundação e, na época, não participava da diretoria. Entretanto, desde o começo, acredito que o IME foi um grande desafio e um grande laboratório para todo mundo. Para a diretoria e para o restante da equipe. Era um projeto novo, arrojado, formado por ativistas negros de Salvador e vindo desde o lugar da comunicação que sempre foi um território extremamente excludente e racializado. Pautar esse debate trouxe uma série de conhecimentos e de aprendizados. Além do próprio fato de criar e tocar um Instituto. As experiências adquiridas foram desde a questão mais política e da ação como também do fazer diário, no dia a dia da instituição.
Ao trabalhar com um tema bastante sensível, o IME deve ter esbarrado em muitas restrições. Especialmente em uma época em que não havia prevalência das redes sociais e o tema do racismo estava “adormecido”. Como a mídia de Salvador recebeu vocês e quais os principais entraves nesta jornada?
O IME foi uma novidade e ainda é uma organização que atua de forma inovadora no campo da comunicação e no que se entende como mídia, meios de comunicação. Estamos propondo um outro olhar para a comunicação e pautamos isso desde o começo. Hoje, o Correio Nagô, que é um dos nosso principais pilares, tem um alcance e uma solidez que há 15 anos não imaginávamos. É referência. E os meios de comunicação da cidade, colegas jornalistas e de outras áreas, tem essa referência quando pensam nas questões raciais e de comunicação.
O ativismo social baiano em 2005 precisava ter uma relação com os meios de comunicação. Então, foi o IME que fez essa ponte de diálogo entre o movimento negro e os meios de comunicação. Aprendemos que o que estávamos estudando na faculdade era um ambiente pouco conhecido pelos nossos.
Somos esse ponto devido as articulações e relações que criamos e com a excelência que realizamos as nossas ações e atividades.
Mais que uma iniciativa de caráter ativista, o IME se firmou como um celeiro de inovações, ajudando a colocar Salvador na rota de pensadores da comunicação baseados na América Latina, nos Estados Unidos e na África. Quais fatores permitiram a vocês se tornarem esse ponto de contato de Salvador com o mundo?
Acredito que o IME veio ocupar um lugar que estava vazio. Salvador, a Bahia e o Brasil de um modo geral careciam de experiências que pudessem olhar para a comunicação como um todo pelo olhar racializado. Isso era uma demanda antiga, pautadas nos movimentos e em alguns espaços, mas que ainda não tinha ganhado corpo, cara. O IME veio para reivindicar um pouco esse lugar e, mais do que olhar para o que estava sendo feito com uma perspectiva crítica, nós queríamos era fazer. E fazer diferente. Então, esse foi o nosso pioneirismo e o motivo pelo qual também conseguimos abrir várias frentes de diálogo: nós tínhamos algo diferente e extremamente importante a dizer para a sociedade.
Ao longo dos 15 anos, a Casa do Mídia Étnica, como ficou conhecida a sede da instituição, gerou uma série de filhotes: escritório de coworking, espaço para palestras e treinamentos e seminários internacionais e incubação de empresas. Vocês têm a dimensão de quantos negócios e quantas pessoas foram impactadas pela Casa do Mídia Étnica?
O Instituto Mídia Étnica (IME) desenvolve os projetos em três frentes estratégicas: Comunicação (Portal Correio Nagô, TV Correio Nagô), Inovação (Vojo Brasil, Afro Hacker, Mídia Étnica Lab) e Empreendedorismo (Jovens Empreendedores Culturais – JEC, Emerge Salvador, Ujamaa – acelerando empreendimentos). Nós treinamos mais de 1.000 pessoas. Já produzimos centenas de vídeos. A comunicação é algo difícil de medir. Mas acreditamos que estamos gerando uma mudança de mentalidade nas pessoas no Brasil. Representando pessoas negras e ser a sua voz.


O que o futuro reserva para o IME, entidade nascida do sonho de quatro jovens estudantes de comunicação? Temos muitos desafios como toda instituição que não tem o apoio constante seja de fundações privados ou de instituições públicas. Temos uma estrutura física, uma equipe de profissionais dedicados ao IME, temos ideias e projetos que queremos que se tornem realidade. É um longo caminho e sabemos de algumas dificuldades, mas temos sempre a convicção de que já deu certo porque o que nós acreditamos no que estamos fazendo e no impacto positivo que isso gera para a sociedade. Em breve, lançaremos o LABCOM que tem como objetivo criar um centro de construção de narrativas, convergência de mídias e inovação digital, para conexão entre comunicadores e empreendimentos de comunicação de Salvador com outros centros de comunicação do Brasil e de países da Diáspora africana. A proposta visa realizar formações, intercâmbios e divulgação de pessoas e iniciativas que trabalham com a comunicação e construção de narrativas transmidiáticas com a participação social, em Salvador.