Cada dia que passa é mais comum ver pessoas em supermercados, mercearias ou mesmo em padarias da cidade olhando atentamente para as embalagens, para conhecer os ingredientes usados no preparo do produto. Da farinha de trigo ao leite, passando por castanhas e amendoins até peixes e crustáceos. O cuidado é necessário. Afinal, a presença de determinado ingrediente pode causar severos prejuízos à saúde. Mas, como saber se fazemos parte do grupo de alérgicos a um destes itens? Normalmente, o sinal de alerta soa de uma hora para outra, após um mal súbito desencadeado pela ingestão do “alimento proibido”. A paulistana Adriana Fernandes viveu este dilema a partir do nascimento dos filhos, Maya, de 7 anos, e Leo, de 2 anos. A menina tem intolerância à lactose, enquanto o garoto apresenta um quadro mais severo, de múltiplas restrições.
A condição dos filhos acabou acelerando o desejo de Adriana de investir na gastronomia, mesmo estando satisfeita com a carreira de diretora de programas infantis para a TV. A Mandala Comidas Especiais começou a ser desenhada em 2007, quando ela se matriculou em um curso de gestão nesta área. A empreitada contou com o apoio do marido e sócio, Ricardo Homsi, também oriundo da área de comunicação.
O que os motivou a arriscar foi a percepção de que havia um fantástico contingente de brasileiros alijados do setor alimentício, de uma forma mais ampla. É que mesmo os restaurantes veganos (para pessoas que não consomem nenhum item derivado de animais) não contemplam aqueles quem têm alergia a glúten (também chamados de celíacos) ou à soja, normalmente usada como substituto do leite de vaca e da carne bovina, em hambúrgueres. Por conta disso, as refeições têm de ser preparadas sempre dentro de casa. Mas isso não significa dizer que o casal produza a chamada “comida para doente”. Muito ao contrário. “Fazemos pratos gostosos para que toda a família possa desfrutar”, diz Adriana.
Adriana (à esq.) e Ricardo, com a filha Maya e os funcionários/DivulgaçãoAs estimativas dão conta de que um exército de três milhões de brasileiros enfrentam algum tipo de restrição. Eles movimentam anualmente a R$ 15 bilhões, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e para Fins Especiais (Abiad). Trata-se de um número expressivo, mas que nunca foi olhado como uma oportunidade de negócio na área da gastronomia propriamente dita. Contudo, assim como nos Estados Unidos e na Europa, muitas vezes a inovação surge da iniciativa de microempreendedores, mais propensos a correr riscos. No caso do casal Adriana-Ricardo, o risco é elevado, pois usaram todas as economias para mergulhar num “salto de fé”, como ela costuma dizer.
A Mandala funciona em uma rua arborizada da Pompeia, bairro da Zona Oeste de São Paulo. O local, de 80 metros quadrados, foi escolhido a dedo por contar com uma cozinha industrial e já dispor de licença de operação. Isso facilitou o início dos trabalhos. No entanto, pouca coisa do que tinha no lugar foi aproveitada. A inauguração oficial da empresa foi em abril, porém, o início das atividades de venda direta para o público se deu apenas a partir de meados de setembro. Quando 1 Papo Reto visitou a Mandala, algumas coisas estavam por fazer. Mas já era perceptível o nível de profissionalismo e o brilho nos olhos do casal. Para entrarmos na cozinha, a equipe do portal teve de se paramentar com touca, avental e proteção para os calçados. As mãos também foram higienizadas com álcool. A equipe é pequena (são três funcionários), mas bem eficiente.
O chef Luiz Felipe passou por um rigoroso treinamento para operar dentro de uma nova realidade de segurança alimentar. “Mesmo sendo experiente no setor, descobri que muitos dos procedimentos que eu adotava estavam errados”, diz ele. O sistema de produção é extremamente artesanal. A seleção dos fornecedores obedece a uma lógica bastante diversa da convencional. Preço competitivo é importante, sem dúvida, mas não devem restar dúvidas sobre a qualidade e a integridade do material. Nada de “pode conter traços de leite ou de castanha…”. Para manter a qualidade e a segurança, Adriana exige que os fornecedores emitam laudos registrando a pureza de seus produtos. “Muitas vezes eles falam uma coisa, mas quando peço para colocar no papel, a coisa muda de figura”, critica. “E isso vale até mesmo para empresas que se vendem como naturais e sustentáveis.”
A partir da definição dos fornecedores, Adriana começa outra etapa delicada: a criação das receitas. Os filhos funcionam como “cobaias”, mas como os pratos têm de ser gostosos para quem tem restrições ou não, ela também promove degustações com familiares e amigos. Este processo pode ser estender por até 60 dias, dependendo da complexidade dos ingredientes. Afinal, como só trabalham com comidas congeladas é preciso uma atenção especial à textura dos alimentos, para que eles mantenham o frescor e o sabor idêntico ao do momento do preparo original.
Nada disso é feito no improviso. Antes de abrir a empresa, Adriana fez cursos de alimentação segura e pediu ajuda a consultores em engenharia alimentar. Valeu a pena. Em menos de um ano, a Mandala já se tornou referência no setor. Boa parte do reconhecimento foi possível graças a dois contratos estratégicos de fornecimento, para o Hospital Albert Einstein e o Samaritano, ambos em São Paulo. “Passar pela certificação do Einstein foi difícil, mas funcionou como um aval aos nossos produtos e mostrou que estávamos no caminho certo”, destaca Ricardo. Além da lojinha da sede, os pratos congelados da grife também estão disponíveis em redes de varejo especializadas em alérgicos, na região. E, em breve, deverão cruzar as fronteiras da cidade e do Estado. Ricardo está dando os retoques finais nas parcerias com revendedores de Jundiaí, de Lençóis Paulista, de Bauru e de Jaú (todas em São Paulo) e de Brasília (DF).
Para isso, a produção de 250 refeições por mês terá de ser ampliada. A ideia é que restaurantes e bares (o chamado food service) incluam opções de pratos prontos (risotos, ensopados e carnes), snacks (coxinha de frango e sanduíche, por exemplo) com a marca Mandala em seus cardápios. Mais que um negócio e uma forma de ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas, Adriana enxerga nesta empreitada uma realização pessoal. “Me sinto muito feliz quando estou cozinhando.”
Autores: Maílson da Silva e Rosenildo Ferreira
