"Empresas sustentáveis são mais fortes"

Marina Grossi é, sem sobra de dúvida, uma das maiores especialistas do Brasil em desenvolvimento sustentável. Graduada em economia, ela transita com tranquilidade pelo ambiente acadêmico, governamental e o empresarial. Pois sabe falar a linguagem de cada um destes interlocutores.

A experiência no governo federal – quando representou o Brasil na Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP do Clima) entre 1997 a 2001 – ajudou-lhe a desenvolver a arte de negociar. Do mundo acadêmico ela trouxe a capacidade de discorrer sobre assuntos complexos com grande naturalidade. E do chamado segundo setor, ela assimilou o pragmatismo e a vontade de ver os planos saírem do papel.

Como presidente-executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina vem usando a maior parte de seu tempo na defesa de uma agenda sustentável que contemple as necessidades das empresas, as ambições da sociedade e os limites orçamentários do governo. Faz isso a partir da atuação em fóruns de discussão como a Rio+20, ocorrida em 2012, e a COP21, que acontecerá em Dezembro, em Paris.

Mas antes de pensar no mundo, o CEBDS, que reúne uma parte expressiva do PIB brasileiro, tenta ajudar o governo e a sociedade a se adequarem a um mundo em constante transformação, no qual ser sustentável está deixando de ser uma opção para se tornar uma questão de sobrevivência.

Nesta entrevista, que integra a série de reportagens e artigos do especial em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente, Marina fala um pouco mais sobre estes temas.

A agenda da sustentabilidade é do governo, das empresas ou de toda a sociedade?
A agenda é de toda a sociedade. Um dos pilares da sustentabilidade diz que ela não deve estar voltada apenas às dimensões ambiental, social e econômica; mas que também precisa envolver as empresas, a sociedade e o governo. Não há um caminho sozinho e as funções são bastante distintas de cada um desses atores e todos precisam estar envolvidos.

O CEBDS fechou 2014 com um ambicioso plano de apresentar ao governo e à sociedade uma série de ações destinadas a ampliar o grau de sustentabilidade do Brasil. Em quais aspectos este projeto evoluiu?
Apresentamos a todos os candidatos à presidência 22 propostas, por meio do documento Agenda CEBDS – Por um País Sustentável. A ideia central deste trabalho é trazer competitividade e sustentabilidade para o Brasil, principalmente em um ano tão importante como o que estamos vivendo. Em setembro deste ano teremos a entrega dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e em dezembro acontecerá a COP do Clima, que terá uma importância geopolítica global – e o nosso país tem um papel importante nesse cenário.

Para 2015, o que temos programado é o lançamento do “Fórum de Líderes”, em Brasília, que será comandado pelo setor empresarial e no qual esperamos o envolvimento da presidente Dilma e de seus ministros com o intuito de promovermos debates em torno de algumas propostas do Agenda.

O Brasil se prepara para mais uma Conferência das Partes, promovida pela ONU, a COP 21, em dezembro, em Paris. O setor privado terá o que apresentar de concreto nesta reunião?

A grande diferença da COP 21 é que o setor privado foi formalmente chamado para participar, ainda que não seja ele que tenha essa missão. A COP 21 fala com governos, porém, o setor privado também estará representado e apresentará resultados concretos. Por exemplo, o World Business Council For Sustainable Develpment (WBCSD) juntamente com a rede do Jeffrey Sachs, a Sustainable Development Solutions Network, e a Agência Internacional de Energia estão discutindo tecnologias para uma economia de baixo carbono ao longo desse ano. O primeiro desses encontros ocorreu em maio, durante o Climate Summit Week, em Paris, no qual estive presente.

Por que isso é importante?
Essas tecnologias permitem darmos um salto na transição de uma economia de alto carbono, altamente dependente de combustíveis fósseis, para um modelo no qual seja possível atingir o nível de emissão zero (de gases que causam o efeito estufa) desse século. Mas, para isso, é preciso que haja um ambiente regulatório favorável. As tecnologias para isso já estão disponíveis. O que não temos são as condições de implementá-las em larga escala. Portanto, o objetivo concreto é que o WBCSD possa apresentar soluções de negócio vinculadas às necessidades da sociedade para atingir o objetivo zero de emissão até o final do século.

Quais foram os principais avanços do modelo produtivo brasileiro rumo à sustentabilidade? Já podemos ser considerados vanguarda em alguma área no que se refere ao papel da indústria na nova ordem ambiental?
Hoje, a sustentabilidade já está sendo incorporada nas empresas muitas vezes não como sendo a protagonista do negócio, outras vezes sim, dependendo do tipo de atividade. Mas o ritmo de resposta desses avanços para a sociedade tem sido lento. Não apenas por causa das empresas, mas porque o ambiente que existe hoje gira em torno de uma economia antiga derivada do petróleo, e não para privilegiar uma economia de baixo carbono.

Podemos citar o exemplo das lâmpadas LEDs no Brasil: enquanto você não tinha o estímulo do governo para comprar algo que traria benefício para a sua conta, usávamos as lâmpadas com eficiência inferior que no momento da compra é mais barata, porém, não proporciona tanta economia de energia. A lâmpada LED trouxe uma solução e, ao ganhar escala, teve seu preço reduzido. O mesmo vale para outras tecnologias inovadoras que chegam ao mercado com um preço elevado, mas quando começam a ser aplicadas em larga escala sofrem uma queda significativa no preço final ao consumidor.

O Brasil tem várias áreas onde ele é protagonista, como na de florestas, em energia renovável, biocombustíveis, eficiência energética em edificações. O CEBDS, juntamente com o a WBCSD, está trabalhando nesses temas e irá trazer para o Brasil a discussão e o desenvolvimento de soluções que leve adiante e deem escalas às tecnologias de baixo carbono que contribuam, de maneira considerável, para solucionar esse problema global da mudança do clima. Ainda temos muitas barreiras a superar, mas temos condições de avançar bastante.

Com o Protocolo de Kyoto havia uma grande expectativa de que houvesse um fluxo de capitais financeiros para ajudar os países pobres a preservar seu ecossistema até como uma forma de “purgar” os pecados das nações desenvolvidas. Na visão do CEBDS este tipo de instrumento, baseado na recompensa, ainda se constitui em uma saída para ajudar a minorar os desafios advindos da questão climática?
Ninguém vai `purgar´ os pecados porque pesou na consciência e sim porque isso é necessário para a economia avançar. O ponto central é que estes mecanismos precisam ser interessantes economicamente. O MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) foi muito positivo por algum tempo, inaugurou um processo onde você tem um instrumento financeiro atrelado a uma convenção global que limita o aumento da temperatura global em 2°C.
Trata-se de uma forma inovadora de agir e que, por isso, deveria ser a norma. Mas não é. Porém, cada vez mais, precisamos criar mecanismos financeiros que estejam vinculados às questões globais que impactam o planeta e as pessoas. Nesse sentido, o mercado financeiro tem muito a oferecer. O MDL perdeu força porque se afastou de seu ideal.

Porém, instrumentos deste tipo são extremamente necessários para guiar o funcionamento da economia rumo para um modelo que privilegie o baixo carbono. O Brasil precisa regulamentar o mercado de carbono. Inclusive, uma bandeira importante em torno da COP serão as discussões sobre a precificação do carbono, que o Banco Mundial colocou na mesa e que já foi ratificado pelo CEBDS, pelo WBCSD por representantes de mais de 70 países, além de várias instituições e empresas do setor privado. De alguma forma, a precificação do carbono faz com que isso seja acelerado. Você dá um preço para essa externalidade.

Hoje, os preços da tonelada de carbono variam de US$1/tCO2, no México, a US$168/tCO2, na Suécia, ou seja, isso já acontece de forma não harmonizada, sendo importante unificarmos nosso discurso (setor privado) para sinalizar que `sim, isso é importante´, e mais importante ainda é termos uma governança global nesse sentido.

Voltando ao caso específico do Brasil, com a economia em um ritmo de crescimento mais lento fica mais difícil falar em sustentabilidade, ou este atributo se tornar ainda mais estratégico para as empresas?
A sustentabilidade já é vista como um elemento de competitividade. Nesse sentido, passa a ser percebida de maneira mais estratégica. A não ser para as empresas que fazem apenas um greenwashing (termo que designa quem tenta vender uma imagem irreal do que faz), deixando de incorporar a sustentabilidade na gestão empresarial. Mas, para aquelas que incorporaram, esse é o momento.

Sou conselheira de fundos de investimentos (tais como o Fundo de Excelência Social do Itaú e o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa) e de empresas, e basta você ver como há uma preocupação maior com a sustentabilidade.

Os fundos que mostram essa preocupação exigem no seu portfólio investimento em títulos de empresas que sejam mais sustentáveis, e um dos atributos de empresas que seguem esta cartilha é justamente o fato de serem muito mais resiliente em momentos de crise. Se nos períodos normais não percebe tanta diferença entre os dois tipos de empresas, é nos momentos de crise que isso aparece de forma mais clara.