O Brasil abriga 20% de todas as espécies de animais e plantas existentes no planeta. Boa parte delas são endêmicas, ou seja, só existem aqui. Por conta disso, tem feito esforços legítimos para assumir um papel de protagonista nos debates sobre as mudanças climáticas. Para se credenciar nesta área, o governo federal vem trabalhando em uma agenda positiva, especialmente no que se refere à Amazônia, que está no radar de 10 entre 10 ecologistas mundiais.
– No período 2010-2014, foram atingidas as cinco menores taxas de desmatamento de toda a série histórica de monitoramento, iniciada em 1988
– No acumulado janeiro de 2012 – março de 2015, o Fundo Amazônia totalizava o apoio a 72 projetos no valor total de R$ 1,05 bilhão. Muito acima dos 21 projetos e dos R$ 259 milhões desembolsados anteriormente
– A ampliação e a intensificação da fiscalização sobre crimes ambientais resultaram em multas que chegaram a R$ 2,9 bilhões, em 2014
– O aperto na fiscalização gerou o embargo de 210 mil hectares de terras exploradas de maneira irregular
São providências importantes. Contudo, ainda insuficientes para saciar o apetite de ecologistas daqui e de fora. Mas que, no entanto, mostram os inúmeros avanços obtidos pelo governo. Algo que nem sempre é reconhecido, de acordo com com Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente (MMA), especialmente quando a crítica tem motivação política.
Em entrevista por email a 1 Papo Reto, ela destaca os acertos de sua gestão à frente de um cargo que exige muita habilidade de negociação e jogo de cintura. Um dos grandes testes do ano para as pretensões protagonistas do Brasil, tanto no que se refere ao setor público quanto ao privado (veja, abaixo, entrevista com Marina Grossi, presidente-executiva do CEBDS), se dará em dezembro, durante a Conferência das Partes (COP-22) sobre Mudanças Climáticas, patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece em Paris. “O Brasil confia e trabalhará para que se adote um acordo justo e ambicioso”.
A seguir, os principais pontos da entrevista de Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente:
A agricultura e a pecuária estão entre os maiores focos de pressão sobre as florestas, especialmente na Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia. Afinal, o que foi prometido em relação ao novo Código Florestal já se tornou realidade?
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) começa a tornar realidade o conhecimento das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal nas propriedades já tendo alcançado 54% das áreas agricultáveis que correspondem a 201 milhões de hectares. O CAR revela, ainda, números mais interessantes. Por exemplo: as propriedades privadas abrigam 16 milhões de hectares de reserva legal e APPs e, conforme as informações declaradas no CAR, têm remanescentes de vegetação nativa que alcança 38 milhões de hectares. Isso corresponde a 50% das unidades de conservação federais. Uma nova política florestal e uma política de valorização da biodiversidade devem respeitar essas áreas para fins de conservação ambiental.
As ONGs em geral têm sido muito críticas em relação ao trabalho do governo federal nesta área, especialmente a partir de 2010, quando começou a gestão da presidente Dilma Rousseff. Falta compreensão do que é feito pelo governo ou o MMA não tem sabido comunicar suas ações com eficiência?
A atuação da sociedade civil organizada na proteção ao meio ambiente passa pela crítica das ações governamentais. Isso é necessário e útil. Entretanto, o que se observa é um certo viés político nessas críticas, uma vez que não houve nenhum retrocesso na área ambiental desde que se iniciou o primeiro mandato da presidente Dilma. Pelo contrário, o governo federal criou mais unidades de conservação que todos os Estados juntos, sendo que, na Amazônia, nenhum Estado criou novas áreas protegidas nesse tempo. Você leu ou ouviu alguma crítica dessas mesmas organizações em função disso?
Criamos novas e importantes unidades de proteção integral na Mata Atlântica, elaboramos mais planos de manejo, peça fundamental para a boa administração das Unidades de Conservação (UCs), que qualquer outro governo anterior, investimos em infraestrutura básica das unidades, na melhoria das condições de vida das comunidades das reservas extrativistas etc. Tudo isso é de conhecimento público, mas mesmo assim são fatos muitas vezes ignorados por quem faz as críticas.
Superados eventuais direcionamentos políticos nas críticas, resta a realidade de que o Brasil como um todo desacelerou uma parte da agenda das UCs e isso aconteceu devido a três razões principais:
– um volume considerável de passivos em áreas criadas sem o diálogo adequado tanto entre os entes federativos quanto com a Sociedade como um todo (indo além de terceiro setor e agronegócio/indústria organizada, falo aqui de pequenos e médios proprietários rurais, agricultores familiares e tradicionais)
– maior visibilidade dos impactos desta agenda junto a outros setores dos governos – o que passou a exigir maior diálogo e uma tomada de decisão alinhada
– o esgotamento das áreas de maior facilidade para criação – as frutas mais maduras e de fácil alcance já foram coletadas no esforço de criação, seja na Amazônia ou nos demais biomas.
O viés pela agenda de criação de UCs, aliado a alinhamentos políticos, acirrou as críticas sem observar o enorme esforço de consolidação destas Unidades que se deu em nível federal, com avanços consideráveis na elaboração de Planos de Manejo das UCs, a realização pela primeira vez do levantamento e cadastramento das famílias tradicionais residentes em Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável – aqui permitindo a chegada de programas como o Bolsa Verde, Minha Casa, Minha Vida e Luz para Todos -, bem como a construção da nova fase do programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e do programa de consolidação de unidades de conservação marinhas e costeiras (GEF-MAR).
Tudo isto é parte de um intenso trabalho de baixa visibilidade, ou de mais difícil veiculação, o que permitiu que este suposto flanco na agenda ambiental do Governo Federal nos últimos cinco anos fosse explorada. Não obstante, já em 2014 foram criados mais de 600 mil hectares em novas UCs na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, protegendo áreas de extrema importância para a Biodiversidade, em um momento em que os próprios Governos Estaduais nada fizeram neste sentido. Além deste esforço, o MMA recebeu de sua parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário cerca de 5 milhões de hectares de terras arrecadadas na Amazônia para reforçar o esforço de criação de UCs e de manejo florestal.
Atacar os governos que herdaram uma carga de trabalho para consolidar um dos três maiores sistemas de áreas protegidas no mundo – hoje com mais de 1.900 UCs cadastradas e alcançando a marca de 1,6 milhão de km2, com alguns passivos de difícil superação (como no caso da Floresta Nacional de Bom Futuro), é deveras fácil. Sobreviver a este ataque mantendo sempre que possível a serenidade e a capacidade de inovar e avançar é o real desafio. E neste sentido, o governo federal nos últimos cinco anos tem apresentado resultados sólidos não só na agenda de consolidação de UCs, mas na implementação do novo Código Florestal, na construção do novo marco regulatório para acesso à biodiversidade sancionado este mês e, para não deixar passar, retomando o esforço de criação de UCs, cujo anúncio será feito em breve.
Quais são, em linhas gerais, as expectativas do governo para a COP-22, que acontece em Paris, em novembro. A srª acredita que o Brasil poderá liderar o debate sobre o clima, a partir de suas experiências positivas no campo dos biocombustíveis?
Agir de maneira firme e ambiciosa na área de mudança do clima traz ao país a oportunidade de requalificar o projeto de desenvolvimento nacional. Isso envolve a definição de ações transversais em áreas de vital importância para o País, associadas à qualidade e competitividade que afetam diretamente o desenvolvimento.
Essas ações incluem áreas tais como infraestrutura; produção agropecuária, energética e industrial; uso da terra; planejamento urbano; segurança hídrica, energética e alimentar. Uma política sobre mudança do clima ambiciosa e coerente com as prioridades nacionais de desenvolvimento resultará em benefícios nas áreas de qualidade ambiental, eficiência energética, uso de recursos renováveis para geração de energia (incluindo biocombustíveis), mobilidade urbana e competitividade da indústria nacional, entre outros.
Trata-se de definir como a questão da mitigação mudança do clima e da adaptação aos seus impactos adversos se insere no contexto das demais políticas públicas brasileiras: como atender às crescentes demandas de desenvolvimento econômico com inclusão social, num cenário internacional em que os interesses econômicos e a competitividade entre os países serão crescentemente pautados pela questão da necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa e pelos investimentos necessários em adaptação. A resposta a essa pergunta vai muito além das competências da área ambiental. Trata-se de um esforço conjunto da União, estados e municípios.
É com esse espírito que iremos a Paris, levando uma Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, da sigla em inglês) ambiciosa,com um processo amplo de consulta à sociedade, mas ao mesmo tempo que seja justa em termos globais em relação ao papel do Brasil frente ao Mundo. O mundo deve, entretanto, reconhecer o esforço brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa, que resultou em 41% de redução em 2012 em relação a 2005.
Partiu do governo brasileiro, na Conferência de Varsóvia (2013), a proposta de processos de consultas domésticas à sociedade de cada país sobre a definição das respectivas contribuições a serem apresentados no âmbito do Acordo de 2015. A proposta foi incorporada à Decisão de Varsóvia, e o Governo do Brasil vem conduzindo desde o início de 2014 o seu processo de consulta doméstica sobre as iNDCs.
O relatório final foi divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) recentemente. Com isso, o Brasil dá clara demonstração de que sua contribuição não está sendo formulada apenas no âmbito do governo, mas envolvendo de maneira direta a sociedade por meio de um diálogo público qualificado. O resultado dessas consultas forneceu indicadores importantes para dimensionar o grau das possibilidades e disponibilidades do País no que tange aos esforços de redução de emissões pós-2020. Em coordenação com demais Ministérios relevantes para a agenda de mudança do clima, venho conduzindo diálogos complementares com atores relevantes do Governo, Academia, Sociedade Civil Organizada e Setor Privado. O Brasil confia e trabalhará para que em Paris se adote um acordo justo e ambicioso.
A última lista de animais em extinção mostrou um aumento de 75%, em 11 anos, de espécies em risco. O ministério considerou que não houve crescimento, mas sim um mapeamento mais completo. Afinal, quais as principais ações em defesa da fauna?
Durante os últimos cinco anos o Brasil avançou muito na proteção das espécies. Em 2009 tínhamos apenas 14 espécies ameaçadas com Planos de Ação, depois de um grande esforço ultrapassamos as 300 espécies com a estratégia e ações de conservação. Além disso, com a ampliação das UCs, os habitats relevantes para as espécies ameaçadas estão sendo protegidos.
O resultado destas ações serão vistos a médio a longo prazo, pois dependem do processo natural de reprodução das espécies. Por exemplo, esse mesmo estudo revela que várias espécies que haviam sido avaliadas há 10 anos, melhoraram seu estado de conservação, como é o caso da Baleia Jubarte, cuja população aumentou em virtude de medidas que começaram a ser tomadas nas últimas duas décadas, como a proibição da caça, a criação de Unidades de Conservação marinha e o monitoramento permanente da espécie.
A crise hídrica vivida por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, além da seca recorrente no Nordeste, mostram que os efeitos das mudanças climáticas são para valer. No Brasil, quais seriam os principais elementos de pressão e como estes problemas estão sendo mitigados?
Segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 2013 e 2014 apresentaram comportamentos anômalos em relação às medias pluviométricas históricas da região Sudeste. A crise atual foi deflagrada após dois anos consecutivos (2013 e 2014), com chuvas reduzidas na época do verão que comprometeram o abastecimento de água nas regiões metropolitanas. Esta mudança nos padrões de pluviosidade é coerente com o previsto nos modelos regionalizados de mudanças climáticas para o Brasil, desenvolvidos pelo INPE, que sugerem uma redução futura na pluviosidade da região central e planalto brasileiros.
No entanto, cabe ressaltar que o impacto das mudanças climáticas é agravado por pressões associadas ao crescimento urbano desordenado, redução da cobertura florestal, e desenvolvimento econômico não planejado, que não incorpora os princípios do desenvolvimento sustentável.
O principal desafio para enfrentamento destes impactos é a inclusão dos cenários futuros de mudanças climáticas no planejamento e revisão das ações de desenvolvimento, uma vez que o aquecimento global impõe um novo paradigma de condições adversas.
O MMA coordena a elaboração do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas que, entre suas funções, prevê a melhor gestão e disseminação do conhecimento sobre impactos atuais e futuros das mudanças climáticas e sua inserção no planejamento setorial e territorial do País. No caso específico dos recursos hídricos, podemos destacar outras iniciativas em curso como a revisão dos planos de bacias hidrográficas, a elaboração do Plano Nacional de Segurança Hídrica e a implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos.