Um brinde à ousadia

Quem é: Marcelo Ramos

Por que é importante: criou a primeira marca de cerveja artesanal nascida dentro de uma favela, se tornando referência de empreendedorismo

O carioca Marcelo Ramos, 43 anos, já perdeu a conta das vezes que participou de eventos de empreendedorismo, nos últimos cinco anos. A lista inclui até mesmo uma passagem por Bogotá, onde foi contar a história do primeiro morador de uma favela brasileira a conseguir lançar dois rótulos próprios de cerveja premium: a Complexo do Alemão Larger e a Nova Brasília Weiss, ambas produzidas por uma empresa especializada. Até chegar à capital da Colômbia, Marcelo e sua mulher e sócia Gabriela Romualdo, tiveram de percorrer um longo caminho. Tudo começou em 2012, com a abertura do Bistrô Estação R&R, na Nova Brasília, uma das 15 comunidades que formam o Complexo do Alemão.

O negócio surgiu como resultado de uma aposta ousada deste carioca que ganhava a vida como técnico em telecomunicações. Apreciador de cerveja, Marcelo foi agraciado com uma garrafa da bebida, depois de fazer um reparo na linha telefônica de um bistrô, na região central da cidade. “Ao olhar a cerveja de aparência e cor estranha, pensei que estivesse choca”, recorda. “Mas o sabor do trigo me surpreendeu tanto que passei a percorrer bares da Lapa e da Zona Sul para conhecer melhor esse universo”.

Neste, digamos, périplo etílico, ele contava sempre com a companhia de Gabriela. Sem dinheiro para fazer cursos e disposto a aprender tudo sobre o tema, Marcelo xerocava as apostilas de um colega que estava prestes a se graduar em mestre cervejeiro, no Senai. A efervescência vivida pelo Complexo do Alemão, beneficiado com a instalação de um teleférico (desativado desde outubro de 2016) e cenário da novela Salve Jorge, também influenciou na decisão de largar o emprego fixo e se tornar empreendedor em tempo integral. Reuniu as economias e pegou um empréstimo de R$ 6 mil na AgeRio, agência estatal criada para apoiar negócios em áreas de UPP. O bistrô foi instalado na garagem no andar térreo da casa do sogro. “Comecei a fazer a obra nos finais de semana, sem nenhuma perspectiva de data para abrir”, conta.

A inércia foi quebrada graças a uma vizinha que passou pelo local e perguntou se podia comprar uma cerveja. Marcelo abriu a primeira garrafa e não parou mais. Hoje, ele oferece cerca de 300 rótulos entre nacionais e importados. Numa única noite, o Bistrô chega a render R$ 1 mil. Apesar de receber turistas, especialmente durante os finais de semana, além de muita gente dos bairros próximos, o negócio do casal Marcelo-Gabriela é sustentado por moradores da comunidade, atraídos pelas louras diferenciadas, os petiscos e o som ao vivo, basicamente MPB, jazz e blues. “Nós fazemos a inclusão a partir do consumo de produtos diferenciados e de uma experiência de lazer que, até então, o morador tinha de buscar no centro ou na Zona Sul”.

Venda das bebidas de marca própria chegam a 3,5 mil litros por mês

Essa visão de valorização do território, refletida no nome de batismo de sua linha de cervejas próprias em alusão às favelas do Complexo, é o que define a carreira empresarial do casal. De tanto ser convidado para palestras e receber prêmios de empreendedorismo, Marcelo se tornou uma referência na comunidade, especialmente para os jovens. “Eu digo para eles que o dinheiro está aqui dentro e que nós precisamos apostar nesta riqueza”.

Mas a ambição de Marcelo vai muito além das fronteiras dos bairros de Ramos, Penha, Inhaúma, Higienópolis e Olaria que circundam o Complexo do Alemão. Para ganhar escala, ele criou um ponto móvel de venda, o beer truck, usado em festas de rua e festivais de cerveja artesanal. No último verão, o veículo estacionou em Búzios, balneário chique do litoral norte do Estado do Rio de Janeiro. Também investiu em franquias. A primeira delas funciona há oito meses no Bangu Shopping, na Zona Oeste, e é inspirada na loja do Shopping Carioca, na Vila da Penha, aberta em outubro de 2015 e que é tocada por Gabriela. Quem sabe a próxima filial não será em Bogotá, né?!