A bicicleta sempre esteve associada a pequenos deslocamentos nas cidades, especialmente as do interior. Consideradas erroneamente como sendo um veículo de transporte para “peão de fábrica”, a magrela acabou entrando em uma espécie de limbo. Nem urbanistas, tampouco gestores sabiam como incluí-la no Plano Diretor das cidades. Especialmente no caso das capitais.
Tá certo que no contexto da política de “cobertor curto” em matéria de recursos era difícil dar visibilidade a uma agenda diferente da tríade automóvel-ônibus-metrô. Mas mesmo assim, algumas iniciativas surgiram nas décadas de 1970 e 1980, na orla do Rio de Janeiro e também em Curitiba. “Nas cidades, a bicicleta era vista como um objeto de lazer, nunca como uma opção de transporte”, lembra Tito Caloi. “Em muitos casos, as ciclovias atendiam apenas os mais ricos.”
Neto do fundador da mítica fabricante de bicicletas que leva o nome da família de imigrantes italianos, o empresário paulistano é um apaixonado pelas magrelas. Tanto que não desgruda delas no trabalho (em 2009, ele fundou e dirige a Tito Bikes, fabricante de bicicletas incrementadas), nem nos momentos de lazer (quando sai pedalando pelo mundo afora).
Segundo Caloi, a entrada da bicicleta na agenda da sociedade não tem nada de modismo. “As ciclovias vieram para ficar”, diz. Um dado concreto que reforça este pensamento é a espécie de competição travada entre prefeitos de todas as capitais para ver quem implanta mais ciclovias. Hoje, já existem no país 1.698 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. E a meta é quase duplicar este número para 3.108 km, até o final de 2016.
Belo Horizonte, Curitiba, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo despontam como as cidades nas quais os prefeitos mostram mais empenho em fazer uma verdadeira revolução sobre duas rodas. Enquanto Fernando Haddad, do PT, espera cortar a Terra da Garoa de Norte a Sul e de Leste a Oeste com uma malha de 400 km, em Curitiba, a ambição de Gustavo Fruet (PDT) é ainda maior: 450 km.
Só que entre a intenção e a realização existe um verdadeiro oceano.
Até porque, a expansão das rotas enfrenta resistências de muitos munícipes. Desde os motoristas de automóveis e ônibus, até os comerciantes, que temem perder clientes por conta da supressão de vagas de estacionamento nas ruas de bairros eminentemente comerciais.
A forma como estes projetos saem da prancheta dos urbanistas e se tornam realidade também não vêm agradando. As queixas vão desde a falta de sinalização e iluminação até a pintura de faixas em vias esburacadas e também sobre calçadas.
Na Europa, onde em maior ou menor grau as magrelas se tornaram uma opção viável de transporte, acaba de ser lançada uma iniciativa para integrar as principais ciclovias do continente. Do norte da Escócia ao sul da Espanha, passando por Moscou e Atenas, numa malha que contará com 12 rotas totalizando um percurso de incríveis sete mil quilômetros, até 2020. O projeto foi batizado de EuroVelo.
A seguir os principais trechos da entrevista de Tito Caloi a 1 Papo Reto.
O sr. considera que as ciclovias vieram para ficar, ou não passam de apenas mais uma modinha?
Trata-se de um movimento irreversível. O caos urbano e o adensamento das cidades estão inviabilizando o uso do carro como uma opção viável de transporte individual. Não digo que o carro irá acabar, mas que essa percepção deverá abrir espaço para alternativas. Mas não se pode dizer que a bicicleta revolverá o problema da mobilidade urbana, nem que irá substituir o automóvel.
Neste contexto, qual seria o papel das ciclovias na melhoria da mobilidade das cidades?
Elas são de fato importantes e isso fica claro na diferença de enfoque entre o que acontece agora e o que víamos no passado. As primeiras iniciativas do gênero foram feitas em regiões de grande poder aquisitivo e tinham como foco apenas os momentos de lazer. Hoje, o enfoque é outro. A bicicleta é, sim, uma solução. Mas é preciso ter em mente que sua viabilidade se limita a trajetos de até 10 km. O ideal é que pudéssemos ter, além das ciclovias, pontos nos quais os ciclistas pudessem estacionar as suas bikes, para seguir o trajeto de ônibus, de trem ou de metrô.
Em são Paulo, as ciclovias contam com grande aceitação da popular. Apesar disso o prefeito Fernando Haddad (PT) tem sido criticado pela forma como está tocando o projeto. O sr. acha que pegam no pé dele apenas porque ele é do PT?
Às vezes fica parecendo que tem muita gente que é contra apenas por ser contra. Mas quem é contrário as ciclovias em São Paulo tem de ser desfavorável a elas também em Londres, em Copenhague, em Amsterdam… Um dos primeiros registros da existência da bicicleta data de 1790, quando um guarda-florestal alemão improvisou um veículo para tornar mais fácil os deslocamentos pelo parque. A `máquina de andar´ nasceu com o objetivo de facilitar a vida do pedestre e tornar os longos deslocamentos mais confortáveis. É isso que não podemos perder de mente. A bicicleta facilita a vida das pessoas.
Mas ela é viável como opção de transporte sem a implantação de ciclovias?
Recentemente eu participei de um fórum em Salvador no qual foi apresentado um estudo que mostra que nas vias onde um tipo de veículo pode trafegar a uma velocidade que é o dobro do outro, tem de segregar. Isso vale para vias expressas como a Marginal Pinheiros, em São Paulo. Mas em ruas secundárias, nas quais a velocidade real de automóveis ou ônibus não passa de 40 km, é possível conciliar motoristas e ciclistas. Mas precisamos ter em mente a cultura do respeito entre as pessoas.
O sr.acredita que campanhas de divulgação poderiam ajudar neste processo?
Sem dúvida. Mas o ideal seria que a mensagem fosse segmentada de acordo com o tipo de público-alvo: motoristas de ônibus, de táxis e de caminhão. E isso poderia ser feito por meio de debates em associações de classe e também dentro das empresas. Creio que uma abordagem interessante poderia ser pelo lado de sensibilizar os motoristas, mostrando que o ciclista que está na rua pode ser o filho ou a filha dele.
Toda essa onda em torno das bicicletas ajudou os seus negócios?
Sem dúvida. Acho que o nosso grande mérito foi ter apostado desde o início em bikes para uso urbano. Durante muitos anos, a bicicleta foi encarada como um produto para a baixa renda, uma espécie de compensação para quem não poderia comprar uma motocicleta ou um automóvel. Era um público invisível, pois se tratava de pessoas que saiam de casa muito cedo e retornavam após o anoitecer. Hoje, o cenário é outro. Muitos universitários e até profissionais liberais aderiram às bikes. Andar de bicicleta virou uma espécie de manifesto do que as pessoas acreditam e dos valores que elas defendem.
Por ter o nome ligado a este produto o sr. é um usuário frequente das magrelas?
Olha, sempre que posso eu vou trabalhar de bike. Eu tenho carro, scooter e bicicleta e dependendo de como será o meu dia eu opto por um deles. As condições climáticas também influenciam, pois não e viável ir trabalhar de bike nos dias de chuva. Mas a bicicleta está sempre presente em meus momentos de lazer. Quer seja no Brasil ou no exterior.