Viver, trabalhar, comer (e encontrar os amigos)

Atuar na carreira escolhida continua sendo um sonho acalentado por nove entre dez jovens que ingressam na universidade. No caso da paulistana Rita Tavares, de 53 anos, não foi diferente. Graduada em jornalismo, ela começou a circular pelas redações de grandes jornais do eixo Rio-São Paulo mesmo antes de terminar o curso.

O gosto por temas relacionados à política acabou a levando para Brasília, onde atuou na cobertura do Congresso Nacional.

Também fez um curso de mestrado em Comunicação na prestigiada Universidade de Cardiff, no País de Gales.

Mas a rotina estafante das redações, com longas jornadas diárias, plantões nos finais de semana e a tensão de ter de descobrir coisas novas a cada dia acabaram cobrando um preço alto.

Especialmente depois que, em um exame de rotina, ela descobriu que tinha um câncer no intestino.

Passou por duas cirurgias em menos de 15 dias, e conseguiu superar totalmente o problema. A experiência, contudo, a levou a um estado de reflexão. “Estava me sentindo muito bem, em condições físicas perfeitas, mas decidi repensar muitas coisas em minha vida”, conta. “Foi aí que resolvi desacelerar.”

Guinada Gastronômica 

Foi então que Rita decidiu sair da correria do dia a dia das redações e se dedicar a tarefas mais leves e igualmente prazerosas. Desde outubro do ano passado ela comanda o site  Hora da Comida, um espaço que reúne dicas sobre culinária, lugares em que ela garimpa bons pratos e histórias saborosas que coleciona em seus passeios gastronômicos por São Paulo.

O marido, o economista Samir Cury, foi um dos pilares nessa hora de mudança. “Ele me deu muita força e jamais questionou o lado financeiro. Afinal, ficaríamos com um salário a menos em casa”, diz. “Sua única preocupação era o risco de eu entrar em depressão”.

O que, felizmente, não ocorreu. Rita abandonou o jornalismo aos poucos. “Fiz alguns trabalhos como freelancer ao longo de 2013, até que decidi montar o site.”

Parceria global 

E ela fez questão de levar para a internet os mesmo postulados que sempre cultuou quando estava nas grandes redações. A começar pela extrema capacidade de transformar assuntos áridos em coisas leves e bacanas.

O capricho no acabamento também está presente em todos os cantos do site, desenhado por Marcelo Stoppa, fundador da agência WYZLY.

Além de seções clássicas como a de receitas e notícias (afinal estamos falando de uma jornalista!), Rita também abre espaço para o debate, sempre  de assuntos ligados à gastronomia, e sua relação com as artes em geral.

Em menos de seis meses de vida o Hora da Comida se tornou uma referência na cena gastronômica da cidade.

Tanto isso é verdade, que Rita foi convidada para ser uma das colaboradoras da Zomato, empresa indiana que possui guias online e aplicativos sobre gastronomia em 11 países, entre os quais Inglaterra, Cingapura e Austrália, e que chegou por aqui em setembro de 2013.

Além de alimentar o aplicativo com dicas de lugares e resenhas, Rita também vai escrever artigos autorais exclusivos.

“Fui descoberta pelo Linkedin”, recorda. “Ainda não consegui digerir tudo o que está acontecendo em minha nova trajetória profissional.”

Preços honestos

Para Rita, a comida verdadeiramente boa é aquela feita com carinho e capricho e pela qual é cobrado um preço justo. “Gosto de descobrir lugares nos quais a gastronomia e os clientes são valorizados em todos os aspectos”, afirma. “Preço alto não é sinônimo de qualidade.”

Fiel a essa crença, ela lança luzes sobre lugares bacanas e acessíveis a todos os bolsos. “Eu fujo daqueles que cobram R$ 80 por uma refeição.” No quesito lugar-bacana-comida-ótima, ela indica o paulistano Deliqatê , no bairro dos Jardins.

Para manter seus valores e sua independência editorial, Rita não aceita convites, paga todas as contas e não trabalha com posts patrocinados.

Recomeço após os 50

Rita conta que não foi fácil deixar a adrenalina da redação após uma trajetória de 30 anos. Além das reflexões, também foi motivada pelo gosto pela gastronomia.

Nascida em uma família de classe média, ela aprendeu a cozinhar cedo. No entanto, só consolidou o gosto pelas panelas e o forno muito mais tarde. Primeiro, quando foi morar sozinha em Brasília. E, depois, em Londres, durante o mestrado.

“Comecei a experimentar novas receitas e mostrar aos amigos minhas criações”, diz.

Mas o que a fez querer levar essa aptidão a sério, de fato, foi a temporada em Berkeley, na Califórnia, quando acompanhou o marido que fazia uma pesquisa para o doutorado em economia.

Com tempo livre para se dedicar a coisas, digamos, mais triviais, Rita conheceu o movimento slow food (alimentação lenta, em tradução literal), que tem na americana Alice Waters uma de suas pioeiras.

“A Califórnia sempre foi um lugar propício às inovações, e este movimento surgiu em oposição ao avanço da cultura do fast food”, recorda. “Encantei-me com a ideia de retomar o prazer que envolve o ato de cozinhar e especialmente de comer e de valorizar os ingredientes cultivados na região.”

De volta ao Brasil, Rita se matriculou em cursos para aprimorar a técnica na elaboração de pratos que mais gostava, como risotos.

Tomou tanto gosto que acabou ingressando na Escola de Cozinha Wilma Kövesi, por onde passam profissionais que desejam ingressar na gastronomia ou aqueles que pretendem ser chefs amadores.

Do limão à limonada

O curioso nesta história é que o curso surgiu quando ela teve de mudar de horário na agência de notícias na qual atuava . Afinal, trabalhar no período da tarde até a noite praticamente inviabiliza qualquer oportunidade de lazer durante a semana.

“Acabei fazendo uma limonada deste limão”, brinca. “Topei a troca com a garantia de que ficaria pelo período suficiente para fazer o curso de culinária.”

Ganharam a gastronomia e o bom jornalismo!

PARA COMER COM OS OLHOS E A BOCA

A chef e empreendedora de internet Rita nos forneceu três dicas de filmes sobre culinária e três lugares descolados, em São Paulo, onde ela gosta de ir para degustar pratos e encontrar os amigos

FILMES:

Vatel – um banquete para o rei (1999)

Gérard Depardieu interpreta o cozinheiro Vatel que tem a missão de preparar uma recepção para Luís XIV no século 17

Julie&Julia (2009)

A trajetória da americana Julia Child, que aprendeu a cozinhar na França e depois apresentou um programa popular de TV nos EUA, recontada no blog da jovem Julie

Tampopo – os brutos também comem spaghetti (1985)

Filme japonês sobre como um restaurante familiar de lamen consegue evitar a falência com a ajuda de um motorista

LUGARES:

Tenda do Nilo

Comida árabe da melhor qualidade e a bom preço. O atendimento é bem atrapalhado e o espaço é minúsculo, o que explica as longas filas na calçada

Casa Mathilde

Situada no centro velho, a doçaria portuguesa reserva algumas delícias. Pastéis de Belém recém-saídos do forno e muitos outros doces da terrinha. Preços justos

Buzina Food Truck

Nessa onda de comida de rua que chega a SP, dois chefs montaram num caminhão uma cozinha que perambula pela cidade. Procure o roteiro no Facebook