O funk consciente que vem de Americanópolis

Aos 19 anos, o MC Garden – Lucas Rocha da Silva – estourou no cenário do funk. Esqueça letras-clichê com pegada violenta e sexual. A batida está lá, mas o conteúdo denso é uma raridade, com menções aos conflitos na Síria, à corrupção no Brasil, aos médicos cubanos – e por aí vai. Filho de um professor de matemática, ele filosofa.“Quero gerar dúvida nas pessoas. A dúvida faz com que as pessoas busquem certezas”, diz.

MC Garden mora no bairro de Americanópolis, zona sul de São Paulo, com o pai, a mãe, dona de casa, e a irmã mais velha, vendedora. Seria um menino como outro da periferia, com a diferença de que, anos atrás, ao lado de um amigo gostava de adaptar letras conhecidas para transformá-las em funk consciente.

Hoje, ele já tem dois hits, “Isso é Brasil”, lançado na época dos protestos, e “Independência?”, além de milhares de seguidores nas redes sociais. As letras têm tanta referência ao noticiário, que é inevitável perguntar: lê tudo isso de notícia?

O processo de criação é assim, ele explica. Senta-se ao lado do pai em frente ao computador e os dois vão percorrendo as notícias dos portais para ver o que pode ficar legal num funk. É o MC que se apressa em dizer que não gosta de televisão, pois acha que “na TV aparece o que eles querem que você veja, na Internet eu procuro o que quero”.

Para completar a criação, vem o DJ Vinicius Boladão, o amigo de escola que brincava anos atrás de adaptar funks, para dar aquele som característico do ritmo.

Aliás, com a poderosa Anitta fazendo mega sucesso, MC Garden já tem um discurso afiado quando perguntado sobre o funk tradicional, com sentimentos de baixo e alto calão. É “cada um no seu cada um” e “nada contra, mas esse negócio de bunda, sexo, mulher e dinheiro não é coisa que criança de 10 anos tem que escutar”.

A agenda de shows vai bem, obrigada, já fez shows em São Paulo, capital e interior, Curitiba, Rio. Quando conversou com 1 Papo Reto, na última sexta-feira, relatou uma apresentação na véspera, ao lado de Gabriel, o Pensador, na boate Pink Elephant, um clube super caro no Itaim-Bibi (bairro de classe média alta da Zona Oeste). Para ele, tanto faz a faixa de renda do público que vai ouvir o que fala sobre o Brasil, contanto que a mensagem seja transmitida.

Convites de gravadoras, diz o MC, têm aparecido. Por enquanto, como qualquer artista de sua idade e com fama repentina, ele diz que nada ainda lhe interessou.

O próximo hit, como será? Ele conta que o pai já deu a dica, que vai na onda do ativismo: “Ele disse que seria bom fazer uma música sobre mão de obra escrava infantil”. Como esse tema delicado vai ficar no clipe?

Basta ouvir as outras letras, para imaginar. E torcer para que Lucas gere muitas dúvidas por aí.

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