De Nova York
A comunidade afro-americana representa apenas 13% de toda a população dos Estados Unidos. Mas quando falamos de sua força econômica, o número é ainda mais relevante. Isso porque, este contingente consome bens e serviços num total de US$ 1,2 trilhão, por ano, de acordo com pesquisa da Nielsen em parceria com a revista Essence.
E é este poder que tem sido cortejado por empresas de todos os portes e segmentos. Uma boa amostra disso pode ser vista nos dias 15, 16 e 17 de fevereiro, quando cerca de 500 empresários, executivos e investidores negros dos Estados Unidos se reuniram no famoso hotel Grand Hyatt de Nova Iorque para celebrar os 20 anos do projeto Wall Street. Trata-se de uma iniciativa da organização Rainbow PUSH Coalition, liderada pelo reverendo Jesse Jackson (na foto que abre este artigo) , um dos principais líderes do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.
O projeto tem como o objetivo fazer com que as instituições financeiras e as grandes corporações gerem oportunidades econômicas para os afro-americanos. Desembarquei em Nova York como convidado do ativista negro Joe Beasley, responsável pela Rainbow PUSH Coalition em Atlanta. No encontro, pude conhecer grandes nomes de Wall Street, o maior distrito financeiro do mundo, como Citibank, Wells Fargos e Bank of America, além de empresas do porte de General Motors, Coca-Cola e American Express.
O evento deixou claro a força do Black Money, termo usado para demonstrar o poder econômico e de consumo dos afrodescendentes. Mostrou ainda a importante participação dos afro-americanos em todos os segmentos empresariais. Quem me chamou a atenção foi o investidor John W. Rogers Jr., dono da Ariel Investments, um fundo, criado em 1983, que gerencia um portfólio de US$ 10 bilhões. Trata-se do maior do segmento dirigido por um integrante dos grupos minoritários: negros, mulheres e latinos. Outras estrelas do evento foram Raymond J. McGuire, gestor global de investimentos do Citibank, e Earl Graves Jr., publisher da revista Black Entreprise.
Compras corporativas
Um fato curioso e diferente para os padrões brasileiros é que nos EUA as grandes empresas possuem uma política muito transparente para diversificar suas cadeias produtivas ao comprar serviços e produtos nas mãos de empresas comandadas por integrantes das minorias. Apenas a Coca-Cola fez o equivalente a US$ 1 bilhão em negócios com este perfil.
E não por aí. Outra discussão que ganha força é sobre o papel dos fundos de pensão, ligados a sindicatos e empresas, na promoção da diversidade de oportunidades no mundo dos negócios. A lógica que domina o debate é que se os negros contribuem para a formação do patrimônio, têm de ver este dinheiro beneficiando as comunidades onde vivem. O mesmo raciocínio se aplica às empresas que possuem ações negociadas na Bolsa de Valores. Afinal, além de produzir e vender, sua missão é promover os bons valores das sociedades nas quais estão inseridas.
Nos três dias de seminário pude testemunhar a influência dos executivos e empreendedores afro-americanos nas mais diversas áreas. Durante os jantares e os “encontros de corredor” eles trocavam ideias entre eles e tentavam articular negócios em segmentos tão diversos como agronegócio, petróleo e gás. Uma dessas rodinhas reunia fazendeiros interessados em juntar esforços para se beneficiar do ciclo de importação e exportação de alimentos.
É claro que a pujança econômica da comunidade afro-americana não aconteceu do dia para a noite. Um dos marcos deste movimento se deu no final do século 19, com a criação do Black Wall Street no bairro de Greenwood, em Tulsa (no Estado de Oklahoma). Hoje, existem cerca de 60 instituições financeiras (bancos, caixas de poupança e cooperativas de crédito) comandadas por negros, nos EUA.
Além de olhar para o que acontece dentro de seu próprio país, os líderes da comunidade afro-americana começam a enxergar as oportunidades existentes no outro lado do Atlântico. Mais especificamente na África. O objetivo é transformar a terra de seus ancestrais num elemento estratégico para o empoderamento global dos afrodescendentes. O foco inicial são mercados sólidos como África do Sul, emergentes como Nigéria e Gana, além das nações com grandes reservas minerais como o Congo.
Falando para a audiência representada pelos negros, o reverendo Jesse Jackson foi direto em sua mensagem. “Gaste menos do que você ganha e poupe sempre. Invista em negócios e ajude sua comunidade”. Para os demais, a mensagem foi igualmente forte. “Não queremos apenas o Civil Rights (direitos civis), queremos também o Silver Rights (direitos econômicos)”. Os participantes lembraram que a Wall Street em NY foi criado por africanos escravizados e era um bairro negro antes de se tornar o distrito financeiro mais poderoso do planeta.
Dias depois do evento, a imprensa americana publicou uma reportagem que confirmou, na prática, tudo que foi discutido e falado nos três dias de celebração dos 20 anos do Projeto Wall Street. O poderoso mago do entretenimento, Jay Z, anunciou a criação de um fundo de investimento no formato Venture Capital para investir em tecnologias. Pelo jeito, ainda vamos ter muitos movimentos de Black Money por aqui. Quem sabe essa onda chega no Brasil também?