Uma noite de campanha, em SP

EXCLUSIVO Haddad dá a largada na disputa pela reeleição em reunião com eleitores e simpatizantes. No encontro se falou de tudo. Menos de SuplicyPor Carolina Stanisci É uma noite com temperatura agradável em São Paulo. Em uma típica segunda-feira (25/7), o trânsito seria pesado. Mas estamos em julho, já no finalzinho das férias, e até dá para ouvir os pássaros em algumas árvores no horário do rush. Quando a maioria dos paulistanos já encerrou seu expediente, o prefeito da cidade mais rica da América Latina se dirige ao seu último compromisso do dia: participar de um debate informal com um seleto grupo de apoiadores, em uma ampla casa do Alto de Pinheiros, bairro nobre da zona oeste. A reunião foi organizada por um casal simpático e simpatizante de Haddad e contou com a presença de cerca de 100 pessoas. Profissionais liberais, servidores públicos, aposentados e jovens universitários - a maioria deles petista. Ou, ao menos, disposta ao ouvir os argumentos do prefeito, que havia sido confirmado como o candidato da coligação PT-PDT-PCdoB-PR-PROS, há aproximadamente 24 horas. Antes da chegada de Haddad, o clima é de descontração. Nas diversas rodinhas de bate-papo regado a chope, refrigerantes e salgadinhos os temas das conversas se alternam entre assuntos prosaicos e política, claro. Mas de um jeito bem light. "Que horas será que o 'prefeito gato' chega?". "Vou perguntar: por que o Chalita como vice?", antecipou um homem de meia idade com um certo ar de contrariedade. Ele encarnava o sentimento de inconformismo de alguns dos presentes com a escolha do companheiro de chapa do alcaide. haddad internaO cenário no qual falariam o prefeito e seu candidato a vice era na área externa da casa, onde foi montado um lounge com sofás, cadeiras em fileira e dois bancos altos. Nesses últimos se acomodariam as estrelas da noite, que encerrou uma segunda-feira a qual, particularmente, não foi boa para Haddad. Ele enfrentou uma reintegração de posse de um terreno da prefeitura, com consequências ruins: a PM retirou carregado nos braços o histórico ex-senador Eduardo Suplicy, bastião dos direitos humanos. Foi uma cena constrangedora e, é claro, gerou um burburinho forte nas redes sociais. Mas, voltemos ao encontro. Lá pelas 20h30, chega o deputado federal Paulo Teixeira, do PT. Rigorosamente 15 minutos depois, Haddad, acompanhado do vice, Gabriel Chalita (PDT), adentra ao local. O prefeito está visivelmente cansado, mas sorri, afável, e cumprimenta a todos. Veste um terno cinza, com gravata com listas vermelhas de tom escuro. Poderia ser confundido com um gerente de banco bem apessoado, mas exausto, retornando ao lar. Logo ao chegar, Haddad afrouxa de leve a gravata. Ele parece sofrer de rinite, tem o nariz um pouco avermelhado. Chalita investe noutro visual, mais "coxinha", digamos: calça jeans, camisa por dentro da calça, cabelos meticulosamente penteados, malha com listras por cima. Casual chique. Depois de três introduções rápidas (de cada um dos anfitriões e de uma outra simpatizante), Chalita é chamado. Já são quase 21h quando o candidato a vice na chapa do PT, ex-PSDB e ex-fiel-escudeiro do governador Geraldo Alckmin começa sua fala. "Ele é formulador e, para ser formulador, tem que ser corajoso", diz Chalita, sobre o prefeito. Às 21h08, Haddad se levanta do banco. Começa falando do cenário nacional; cita um "realinhamento de forças", no qual teme ameaças aos direitos civis, trabalhistas etc. Depois de um tempo, começa a enumerar as principais ações de sua gestão: tudo o que Chalita já havia falado é repetido. Como é comum aos candidatos em campanha, Haddad cita quase todas as obras de sua gestão e faz questão de ressaltar que é contra o improviso. "Não conheço cidade no mundo que em três anos tenha feito o que a gente fez" ou "Fale qualquer coisa de mobilidade urbana e a gente fez". Há um certo cansaço na voz do prefeito. Ele reclama um bocado dos obstáculos que enfrentou e vem enfrentando: a imprensa, o Ministério Público, a oposição. Acha que, no Brasil, existe uma coisa que tem paralisado as ações - que não é uma disputa ideológica ou partidária, mas uma espécie de crítica sem lógica. Dá como exemplo o fato de enfrentar uma ação movida por vereadores da oposição que paralisa a implementação do novo código de obras - já aprovado pela Câmara. "Não consigo sancionar uma lei aprovada!". Também se recorda que o Ministério Público abriu uma ação de improbidade contra ele, quando o prefeito passou um trote em um radialista. Parece que quem discorre é o Haddad professor. Por vício da profissão, ele mesmo pontua, gosta de estudar sobre todas as ações que realizou na cidade: "Sei citar toda a bibliografia do que fiz". Anota no papel as perguntas feitas e gesticula ao responder, num tom calmo e sem vestígios de discurso de campanha política. Da plateia chovem elogios à sua gestão: obras de mobilidade urbana, como corredores de ônibus e redução de velocidade etc., operação (Braços Abertos) para resgatar os viciados da Cracolândia etc. Um dos universitários é enfático: "Sou estudante de administração pública e quero agradecer ao senhor pelos excelentes cases da sua gestão". haddad interna 2Quem rouba a cena com um comentário curioso é outro jovem, que diz ao prefeito sentir-se incomodado com a quantidade de travestis em sua rua. "Será que eles não podem trabalhar com outra coisa? Sei que se forem embora da minha rua vão se prostituir em outra." Como esse questionamento chega em tom de queixa, Haddad pergunta ao rapaz onde ele mora. "Perto da Marginal Pinheiros". O prefeito explica, didaticamente, como é o processo de resgate, por meio de bolsa, de uma travesti das ruas. Tem na ponta da língua o número de travestis nas ruas paulistanas: 4 mil. Haddad se mostra bastante seguro e preparado para o cargo que ocupa e passa esse sentimento para a atenta plateia. Um de seus objetos de estudo é a gestão de Bogotá, que classifica como "uma experiência radical de humanização". Obra do prefeito de Enrique Peñalosa, que lhe teria dito ter começado sem apoio da imprensa, por ter promovido tantas mudanças na capital colombiana. Depois de ter ganhado a adesão da mídia, teria dito Peñalosa a Haddad, perdeu as eleições. "Mas, oito anos depois, voltou." A plateia ri. Aliás, o alcaide gosta muito de tiradas espirituosas que descontraem o ambiente. Fala sobre os "novos tempos", em que alianças estranhas têm se configurado. Para ele, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o empresário João Doria, são pessoas totalmente opostas. "O Alckmin é como eu, conservador, usa o mesmo sapato há muitos anos" - já Doria não seria exatamente assim... Sobre a escolha de Chalita, diz que eles dois já trabalharam muito juntos, em projetos de educação. Mas não se alonga muito na justificativa da escolha do vice. A noite vai passando e o papo evoluindo de forma tranquila. Quase uma reunião entre velhos amigos, fãs e potenciais apoiadores - inclusive com verbas, pois o deputado Paulo Teixeira avisou que a campanha estava precisando de doações; "vale até no cartão de crédito". Mas o prefeito precisa ir, pois tem sabatina logo cedo, no jornal "Folha de S.Paulo". Curiosamente, ao longo da noite, nenhuma menção eloquente foi ouvida sobre Suplicy. O veterano militante e fundador do PT não foi citado por Haddad, Chalita e tampouco pelos presentes. Estranho, pois o encontro se deu no dia em que o ex-senador, com seu ato de rebeldia em defesa de um grupo de moradores do Jardim Raposo Tavares, roubou a cena.