Combate às desigualdades no Brasil: é preciso reconhecer o passado, atuar no presente para construir com solidez o futuro

Combate às desigualdades no Brasil: é preciso reconhecer o passado, atuar no presente para construir com solidez o futuro

Por Helen Pedroso, especial para 1 Papo Reto e Neo Mondo

A desigualdade é o problema mais crucial a ser enfrentado pelo Brasil. E isso não é só minha opinião, mas também a de 7 em cada 10 entrevistados pela pesquisa Equalities Index 2024, realizada em quase 30 países e que acaba de ser divulgada. O décimo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS) trata justamente da redução das desigualdades dentro dos países e entre eles.

Considerando a linha de pobreza de U$ 2,15/dia, Índia, Brasil e Indonésia apresentaram, em 2021, as maiores proporções de pessoas em situação de pobreza, entre os países do G20 que reportaram o indicador. Para se ter uma ideia, o grupo que integra os 10% mais ricos no Brasil ganha quase 60% da renda nacional, segundo dados divulgados pelo The World Inequality Report 2022, que monitorou a desigualdade em todo o mundo. As desigualdades patrimoniais são ainda maiores do que as de renda. Em 2021, os 50% mais pobres possuíam apenas 0,4% da riqueza brasileira.

Nos últimos 25 anos eu tenho atuado com impacto, diante da vastidão de problemas sociais complexos que enfrentamos, é fácil se sentir sobrecarregado e impotente. No entanto, é preciso lembrar que a construção de um futuro diferente não exige soluções mágicas e instantâneas, mas sim ações consistentes e um esforço conjunto. Cada passo dado, por menor que pareça, tem o poder de gerar impacto positivo.

As empresas, nesse contexto, possuem um papel crucial: investir em comunidades locais, impulsionando o desenvolvimento social e econômico de maneira próxima e engajada.  A transformação não acontece da noite para o dia, mas com a união de forças, cada um fazendo a sua parte.

Trabalho na região conhecida como Pequena África, no Rio de Janeiro, um local que carrega marcas profundas da história. Foi ali, no Cais do Valongo, que desembarcaram milhares de africanos escravizados, tornando-o o principal porto de entrada no Brasil. Essa região é testemunho material do tráfico de escravos e revela as raízes da matriz africana na cultura brasileira. A região só foi “descoberta” em 2011, durante as obras para os Jogos do Rio, e tem um potencial enorme, não apenas turístico. Como a sede do Grupo L’Oréal no Brasil fica nessa área, em parceria com organizações locais, temos desenvolvido uma série de iniciativas para reconhecimento e valorização desse entorno.

Há cerca de um ano, foi inaugurada a primeira Escola de Beleza da Pequena África, na Fundação Darcy Vargas (FDV), em parceria com o Movimento Pela Equidade Racial (Mover). O objetivo é oferecer treinamentos para mulheres em situação de vulnerabilidade e formar auxiliares de cabeleireiro. Esse ano vamos expandir para curso de manicures e tratamento de cabelos crespos e cacheados com apoio da Fundação L’Oréal. Ainda com aporte internacional do Fundo L’Oréal para Mulheres lançamos o programa Sabores e Saberes para profissionalização e aperfeiçoamento profissional na área de auxiliar de cozinha.

A Pequena África é o lugar onde ativamos nossa memória ancestral ao mesmo tempo em que olhamos para aquilo que almejamos para o futuro; onde eu me pego pensando sobre a Helen do passado, sobre tudo o que aconteceu na minha vida que me levou até aqui; e o lugar onde posso atuar ativamente e fazer diferença na vida de outras crianças e jovens. 

jardim suspenso do valongo 1 papo retoJardim Suspenso do Valongo / Foto: Alexandre Macieira - Riotur (divulgação)

Na primeira semana de julho, foi difícil segurar a emoção em um evento nosso realizado nesse espaço centenário, sabendo a importância daquele dia.  Desta vez foi a inauguração do programa BiT (Beleza Inclusiva e Tecnológica), fruto de uma potente parceria entre o Grupo L’Oréal, o Instituto Precisa Saber e o Vai na Web, surge com a missão de conectar talentos e transformar futuros, oferecendo a 150 jovens adultos a oportunidade de trilhar novos caminhos profissionais no mercado de beleza.

Empregabilidade, acesso, criatividade, inovação, beleza e tecnologia são os pilares que sustentam essa iniciativa, que une o primeiro, o segundo e o terceiro setor em prol da construção de um futuro mais inclusivo e tecnológico. Assim, por meio de capacitação profissional, vamos promovendo a inclusão produtiva, mudando a região em termos de desenvolvimento econômico e fazendo um resgate histórico. Isso é mirar no passado para reforçar o presente e construir com solidez o futuro.

É evidente que temos, sim, um longo caminho a percorrer na redução das desigualdades (de oportunidades, de renda, de mercado de trabalho…) e ele passa necessariamente por políticas públicas e também por iniciativas do terceiro setor e empresariais, como a que eu citei acima. Só assim, acredito, poderemos virar o ponteiro e transformar vidas como a minha. Eu sou fruto de um projeto de inclusão. Perdi meus pais muito cedo e, graças a bolsas de estudo em escolas particulares, pude ter uma educação de qualidade. Comecei minha carreira na área de saúde e hoje tenho, por meio do meu trabalho, a oportunidade de ajudar outras pessoas a superar desafios semelhantes.

E consigo isso junto porque faço parte de uma companhia que coloca diversidade e inclusão como parte da estratégia de diferentes áreas, como Pessoas, Produtos e Comunicação. Hoje, no Grupo L’Oréal no Brasil, temos orgulho de dizer que estamos caminhando para refletir a representatividade do nosso país, com 45% dos nossos colaboradores pretos ou pardos. Para além da questão racial, agora, após 65 anos de presença no Brasil, temos o primeiro CEO brasileiro.

Ao adotar práticas inclusivas e equitativas, as empresas não só contribuem para um mundo mais justo, mas também fortalecem suas próprias operações e criam um ambiente de negócios mais sustentável e próspero. O compromisso com o ODS 10 é um passo crucial para construir um futuro onde todos tenham as mesmas oportunidades de prosperar.

Antes de terminar este texto, quero dividir uma lista bem básica sobre como as empresas podem agir para reduzir desigualdades. Vale até como um check-list para que os colaboradores e lideranças possam avaliar em que estágio a empresa está em termos de iniciativas nesse sentido. Lembrando que estamos numa jornada e que há muito a ser feito, pelos governos, pelas empresas, por todos nós.  

1. Promoção da Diversidade e Inclusão: As empresas devem implementar políticas de diversidade e inclusão que garantam oportunidades iguais para todos os funcionários, independentemente de sua origem racial, gênero ou status socioeconômico.

2. Capacitação e Educação: Investir em programas de treinamento e capacitação, como a Escola de Beleza da Pequena África, é essencial para aumentar a qualificação profissional e a inclusão produtiva de grupos vulneráveis.

3. Parcerias Estratégicas: Colaborar com organizações não governamentais, movimentos sociais e instituições educacionais pode potencializar os esforços de inclusão e equidade.

4. Políticas de Equidade Salarial: As empresas devem adotar práticas que garantam a equidade salarial, eliminando disparidades de remuneração entre diferentes grupos de funcionários.

5. Suporte às Comunidades Locais: Desenvolver programas que beneficiem diretamente as comunidades locais, promovendo desenvolvimento econômico e social sustentável.

6. Transparência e Relatórios: Publicar relatórios de sustentabilidade e diversidade que detalhem as iniciativas e os progressos realizados em direção à redução das desigualdades.

 

 

*Diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos do Grupo L’Oréal no Brasil.

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