Na década de 1980, era recorrente a ideia segundo a qual sorvetes e picolés eram produtos cujo consumo se restringia aos dias quentes de verão. A chegada de marcas globais, após a abertura do mercado, em meados de 1990, ajudou a mudar a percepção dos brasileiros em relação a um sem-número de produtos. Incluindo os picolés e os sorvetes cujas vendas passaram a crescer de forma paulatina e deixaram de ser itens ligados às estações do ano.
Mas nem por isso deixou de ser desafiante, por assim dizer, investir em um segmento marcado por uma feroz concorrência: nada menos que 10 mil empresas disputam a atenção e o bolso dos consumidores. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes (ABIS), os brasileiros gastam R$ 13 bilhões, por ano, com itens dessa categoria. Apesar da presença de gigantes globais (Nestlé e Unilever) e de potências regionais (Creme Mel, Jundiá e Eskimó), 92% da produção estão nas mãos de Pequenas e Médias Empresas.
Todos esses fatores entraram na conta e na análise da mineira Amanda Tonon, 23 anos, quando ela escolheu este segmento para se lançar na seara do empreendedorismo. Antes de tirar o CNPJ, ela fez um longo percurso de três anos. A jornada incluiu a matrícula no curso de administração e marketing, na FAAP-SP, viagens ao exterior para desenvolver fornecedores e uma longa peregrinação em bancos e fundos de investimento em busca de capital-semente.
“Recebi não dos bancos e de fornecedores”, conta a fundadora e CEO da Kekala Custom Picolé. “Os primeiros exigiam garantias que nenhuma empresa iniciante seria capaz de dar. Os outros só aceitavam vender os insumos se eu pagasse à vista.” A resiliência da jovem, então com 20 anos, chamou a atenção de amigos e familiares, que resolveram se cotizar para garantir os R$ 500 mil necessários para iniciar o negócio.
Em 31 de dezembro, quando fechar a contabilidade, Amanda espera ver registrado um faturamento de R$ 30 milhões, resultado das vendas de picolés em mais de 70 franquias espalhadas por centros comerciais e shopping centers de todas as regiões do país.
Mas, engana-se quem pensa que essa jovem mineira, nascida em Belo Horizonte, pretenda parar por aqui. “Depois de consolidar a Kekala no Brasil, meu objetivo é atuar na Europa e nos Estados Unidos. Já recebemos algumas sondagens neste sentido”, conta Amanda, que tomou gosto pelo varejo a partir das frequentes visitas à loja de roupas da avó Glória.
Além de um discurso afiado, a criadora do Kekala conta com alguns trunfos. O principal deles é o fato de fabricar um produto único, o picolé com recheio customizável. Para evitar o fenômeno da sazonalidade (70% do consumo de sorvetes e picolés ainda se dão no verão, segundo a ABIS), ela sempre posicionou a marca no segmento de sobremesa. Mais. Também apostou na verticalização do processo produtivo. Todas as etapas acontecem dentro da fábrica, situada em Osasco, cidade da Região Metropolitana de São Paulo. “Meu desafio, agora, é inovar dentro da inovação”, diz.
Amanda diz que a continuidade do ritmo de crescimento no padrão de startup está ligada à criação de novos formatos e complementos oferecidos nos quiosques da marca. Os testes acontecem na unidade-conceito instalada no Shopping Morumbi. É lá que ela recebe os franqueados para treinamentos e troca de ideias. Além disso, a empreendedora desenvolveu uma versão carrinho do quiosque para ser alocado em festas e eventos corporativos.
A veia de marketeira também é usada na hora de redigir posts nas redes sociais, focados em gerar engajamento e permitir uma conexão mais próxima com os clientes. Afinal, mais que consumidores, as marcas descoladas almejam contar com fãs. E essa jovem sabe muito bem como fazer isso.
Ah, uma curiosidade. Kekala é uma palavra em hindu que significa oração de louvor a deus.