Nos últimos dois anos, profissionais de diversas áreas e estruturas empresariais consolidadas foram obrigados a se reinventar por conta do distanciamento social e outras restrições trazidas pela COVID-19. Na área de educação, no entanto, esse processo foi particularmente intenso. Afinal, de uma hora para outra, gestores, professores alunos e pais tiveram de se adaptar ao ensino remoto, na primeira fase, e depois ao modelo híbrido. Essa verdadeira revolução deixou algumas lições. "O legado da pandemia é a necessidade de buscarmos continuamente novas formas de ensinar", destaca Raimundo Nonato Lima Junior, professor de química na unidade de Crateús do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.
O docente fala por experiência própria. No primeiro trimestre de 2020, quando parecia inevitável a suspensão das aulas, ele saiu em busca de opções que facilitassem sua atuação em meio ao novo cenário. Navegando pela internet, ele se deparou com o programa Solve for Tomorrow, uma iniciativa global criada pelo departamento de responsabilidade social da sul-coreana Samsung, com o objetivo de estimular o aprendizado de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, também conhecido pelo acrônimo STEM, em inglês.
No ano passado, os alunos do professor Raimundo Nonato ficaram em segundo lugar na disputa nacional, com um dispositivo de purificação de água a partir da radiação solar (assista ao vídeo do projeto no player da homepage de 1 Papo Reto). O grande vencedor foi o grupo de alunos da Escola Estadual Professor Sebastião de Oliveira Rocha, situada em São Carlos (SP), com um sistema de produção de biogás a partir de resíduos orgânicos.
Para o educador Raimundo Nonato, mais importante que a posição na disputa tem sido a trajetória dos alunos. De fato, é visível a evolução dos estudantes de Cratéus, cujo trabalho figurou no Top 20, em 2020, e no Top 10, no ano seguinte. Esse avanço, segundo ele, se deve ao contínuo engajamento dos jovens da instituição. "Eles são movidos a desafios e respondem positivamente quando estimulados a usar seus conhecimentos para resolver problemas do dia a dia de suas comunidades."
Aprendizado interdisciplinar
Os destaques da edição 2021 incluem, ainda, adolescentes de Flores (PE), Novo Hamburgo (RS), Chapecó (SC) e Ocara (CE). "O Brasil é um país bastante rico e muito diverso e, para nós, é motivo de orgulho saber que o programa está alcançando um grande número de escolas fora das capitais", diz Helvio Kanamaru, gerente sênior de cidadania corporativa da Samsung América Latina.
Baseado numa metodologia que privilegia a soma de competências acadêmicas e socioemocionais, o Solve for Tomorrow já rendeu um vigoroso banco de ideias. Desde 2014, os 165 mil estudantes e os 23 mil educadores de cinco mil escolas públicas apresentaram nove mil projetos. "Nosso objetivo é despertar nos jovens o espírito empreendedor e a capacidade de resolver problemas de seu dia a dia, a partir do uso da tecnologia", afirma. Mas isso, segundo Helvio, não significa que haja a pretensão de que eles montem uma startup, a partir do protótipo, tampouco que sigam carreira na área tecnológica.
Mesmo assim, o executivo sempre fala com uma indisfarçável ponta de orgulho sobre a trajetória de duas ex-participantes do Solve for Tomorrow: a brasileira Rayane Rodrigues e a argentina Valentina Avetta, vencedoras da edição 2016. Rayane passou pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e hoje atua como pesquisadora de geoprocessamento da UNIVAP. Já Valentina foi cursar bioengenharia e se tornou presença constante em debates sobre o tema.
Algo, sem dúvida, digno de nota. Afinal, as meninas continuam sendo um contingente minoritário nas carreiras reunidas na sigla STEAM. Em nível global, as mulheres representam apenas 35% das matrículas em cursos ligados às ciências. Nas engenharias, o percentual cai para 28%, de acordo com a ONU Mulheres. Para garantir a diversidade de gênero nos grupos de trabalho, o regulamento do Solve for Tomorrow exige a presença de ao menos uma estudante. No time de Cratéus, orientado pelo professor Raimundo Nonato (que aparece na foto que abre esse texto), três dos quatro integrantes são mulheres.