Festival FALA 2023 reúne jornalistas e coletivos de comunicação para debater o futuro da imprensa 

Festival FALA 2023 reúne jornalistas e coletivos de comunicação para debater o futuro da imprensa 

Entre risadas, lágrimas, militância e fraternidade, o Festival FALA! 2023 de Comunicação, Cultura e Jornalismo de Causas encheu o auditório do Cais do Sertão em Recife, nos dias 21, 22 e 23 de setembro, trazendo uma reflexão sobre o papel do jornalismo e a atuação das mídias periféricas. 

O evento partiu do pressuposto de que todo jornalismo tem viés, e que as chamadas grandes mídias carecem de diversidade de estilo e de autores, criando a necessidade da existência de veículos periféricos que apresentam histórias a partir da ótica dos agentes locais, conferindo protagonismo à notícia e não ao veículo. O Festival foi organizado pelo Instituto FALA, comandado pelos sites de notícias Alma Preta, Ponte Jornalismo e 1 Papo Reto, de São Paulo, e Marco Zero Conteúdo, de Recife. 

“O jornalismo está saindo das amarras impostas a ele em 70 anos de televisão. E neste tempo todo de comunicação sempre vimos as mesmas vozes falando, os mesmos corpos falando, os mesmos territórios falando”, disse Antonio Junião, diretor de arte e projetos especiais da Ponte Jornalismo. "O que a gente está fazendo, agora, é diversificar isso, levando o microfone para todas as regiões. Não só dentro do centro expandido, mas também dentro das periferias, territórios ribeirinhos e quilombos, porque todo mundo tem idéias a contribuir." 

Ao longo dos três dias de evento, um público diário estimado em 150 pessoas marcou presença em palestras, rodas de conversa, apresentações de artistas recifenses e oficinas. Dentre elas, coletivos de comunicação nordestinos, organizações parceiras, como o Pulitzer Center e a Reporters Without Borders, além de quatro veículos baianos: Voz do Axé, Entre Becos, Kalifa LXXI e Raízes BA, vencedores do edital de Bolsa de Reportagem, realizado este ano pelo Instituto, que disponibilizou bolsa-auxílio no valor de R$ 6 mil para a realização de projetos jornalísticos.

Já para Aline Castilho, o Festival foi um meio de adquirir ferramentas para seu próprio trabalho. Ela é parte do Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua Maria Lucia dos Santos, localizado no bairro de Santo Antônio na cidade de Recife.

"No momento a gente está desenvolvendo uma 'zine' (fanzine, jornal feito em folha única e que começou rodado em mimeógrafo) lá no Centro junto com os usuários do serviço e aí foi interessante participar desse evento como uma forma de discutir e refletir sobre formas de comunicação”, ela disse. "A gente trabalha com um público invisibilizado e é muito importante ter uma forma de viabilizar esse debate, não só sobre a situação de rua, mas sobre o acesso dessa população aos meios de comunicação, à questão do protagonismo, que é muito importante, e (sua) autonomia. Está sendo muito interessante ter contato com outros grupos que também têm essa dificuldade”.

A noite de abertura do Festival, na quinta-feira (21/9), foi dedicada à homenagem a Miró da Muribeca, poeta performático das ruas de Recife, que morreu em julho de 2022. Alguns dos temas discutidos durante o Festival também incluíram o dia a dia de grupos periféricos, a democratização da comunicação, histórias visuais, prosas jornalísticas, cobertura de meio ambiente e das comunidades ribeirinhas, combate à desinformação e como a diversidade é tratada nos veículos de imprensa. (Confira nos links, ao final do texto, reportagens sobre os principais momentos dos painéis do segundo e terceiro dia)

Muito se falou sobre o papel das chamadas grandes mídias em pintar o Brasil como um lugar branco e as periferias como áreas onde existe apenas a violência. Mais que focar apenas nas críticas, o Festival destacou o papel das mídias periféricas e sua luta por espaço no campo da comunicação a partir da contranarrativa. 

Para a líder religiosa e ativista Mãe Beth de Oxum, da rádio comunitária Amnésia, convidada para falar em um dos painéis, o governo deveria trabalhar ativamente para a democratização dos meios de comunicação de massa, como as rádios e as TVs, abrindo assim espaço para os comunicadores populares. 

diretoria do Instituto FALA cais do sertao(a partir da esq.) Junião (Ponte Jornalismo), Rosenildo Ferreira (1 Papo Reto), Elaine (Alma Preta, Láercio Portela (Marco Zero) e Pedro Borges (Alma Preta)“A comunicação está na mão de meia dúzia de famílias, sempre foi assim, então o trabalho de Lula (presidente Luiz Inácio Lula da Silva) precisa ser grandioso para fazer esse enfrentamento", ela disse, durante a mesa de debate "Comunicação e Ancestralidade: Memória e Linguagem para a Transformação”.

Por sua vez, a jornalista Flavia Lima, cuja função é promover a diversidade no jornal Folha de São Paulo, o trabalho das grandes mídias e das mídias periféricas é complementar no combate à falta de representatividade. 

“Eu gostei muito do convite (para falar no Festival) porque eu acho que tem muito espaço para diálogo”, ela disse. “Se o que a gente tiver em mente for a boa apuração e o interesse público, esses dois temas dão espaço para que tanto a Folha esteja presente nesse ambiente quanto qualquer uma das representantes da chamada mídia independente.” 

Flavia, que participou da mesa  de debate "Jornalismo de causas e o tripé do poder: Política, Economia e Justiça”  disse que as mídias periféricas também têm, possivelmente, um papel de pressionar os grandes veículos “para olhar para temas que eles não olhavam antes”. 

Assim como aconteceu na 3ª edição do Festival, realizada em Salvador, em 2022, em Recife, o Instituto FALA! recorreu à parceria de empresas locais para estruturar e tocar o projeto. Coube à recifense Aqualtune Produções, liderada por mulheres pretas, comandar o evento.

“Ter mulheres negras produzindo e ajudando a pensar um Festival é possibilitar que mais pessoas pretas ocupem também essa programação”, disse Lenne Ferreira, a produtora executiva do evento. “De uma forma ou de outra, são (essas) mulheres que estão dentro de territórios e periferias acompanhando cenas e movimentos, o que também contribui para enriquecer a programação”. 

Como legado deste ano, os co-fundadores do Instituto anunciaram o lançamento de um novo Edital de Bolsas, destinado aos coletivos de jornalismo de Pernambuco. Segundo eles, os detalhes serão anunciados em 2024 e os trabalhos selecionados serão apresentados na 5ª edição, prevista para acontecer em Belém. Dentro do planejamento também constam incursões fora do Brasil, especialmente nos demais países da América Latina. 

“A expectativa é alcançar cada vez mais organizações, atores independentes, individuais — o nosso objetivo é fazer com que o festival rode por todo Brasil, quiçá América Latina, que a gente já está pensando como que a gente faz essa ponte e leva o festival para toda a região. Para isso, já estamos conversando com alguns apoiadores e alguns parceiros para entender como a gente segue com essa proposta”, disse Elaine Silva, sócia-fundadora do Alma Preta.

 

Veja um resumo do que rolou em cada dia do Festival

2º Dia: Democratização da comunicação

3º Dia: Jornalismo de Causas

Isabela Rocha

Autor: Isabela Rocha

Sobre o/a Autor(a) Isabela Rocha é jornalista freelancer. Apaixonada por escrita, comunicação e justiça social, seu sonho profissional é trabalhar para o avanço da igualdade de gênero e do combate ao racismo. Ela acredita no poder democrático das notícias e sempre busca contar histórias relacionadas à diversidade para normalizar a vida de minorias sociais.


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