No chamado Plano Piloto (área central com moradias e prédios oficiais e comerciais) de Brasília e também em bairros mais recentes, como o Setor Sudoeste, situado próximo à Asa Sul, que faz parte do Plano Piloto, os prédios comerciais ocupam espaços específicos, chamados de quadras comerciais. Elas ficam separadas por calçamento ou jardins das quadras residenciais.
No entanto, uma liberalidade urbanística aprovada há décadas permitiu que sobre as lojas fossem erguidas quitinetes, além de salas comerciais. Ou seja, as quadras destinadas a estabelecimentos varejistas e prestadores de serviços à vizinhança também passaram a abrigar moradores.
O mais adequado, na minha visão de leigo, seria separar totalmente residências, inclusive quitinetes, dos estabelecimentos comerciais e de serviços. O resultado é que mesmo antes de as lojas abrirem as portas ao público, já quase não há vagas para estacionar veículos em várias dessas quadras comerciais. Os veículos pertencem, em boa parte, aos ocupantes das kits, sendo que há os que nem retiram o veículo durante o dia, pois seguem para o trabalho usando transporte coletivo.
Aquelas vagas que deveriam “girar” entre vários motoristas, acabam por ficar ‘pertencendo’ a apenas um.
Fora do horário comercial, à noite, por exemplo, achar uma vaga para estacionar nas proximidades de um restaurante nessas mesmas áreas da Capital, também se torna uma tarefa ingrata: muitas das vagas estão ocupadas permanentemente por carros de quem não está frequentando o comércio naquela hora de movimento.
A impressão de quem passa por esses locais a qualquer hora do dia ou da noite é que o movimento de pessoas no comércio está bombando; mas o pior é que muitos potenciais consumidores que estão em seus carros ficam inibidos de sequer entrar no estacionamento das quadras comerciais para fazer compras. Seguem direto para tentar, talvez, uma vaga em outra, ou adiar a compra.
É comum também que os próprios proprietários de estabelecimentos comerciais e seus gestores e demais funcionários ocupem as melhores vagas para estacionar nas quadras comerciais, desde as primeiras horas da manhã até a hora de largar o serviço. Ou seja, eles mesmos jogam contra o movimento em seus estabelecimentos, prejudicando potenciais clientes que poderiam se dirigir às suas lojas, restaurantes etc.
Quem faz a festa são os ‘flanelinhas’, os donos do pedaço, que causam constrangimento ao abordar motoristas e passageiros exigindo pagamento por suas ‘funções’ desnecessárias. Mulheres e idosos são os mais prejudicados – e esses motoristas e passageiros são clientes e potenciais clientes dos estabelecimentos comerciais e de serviço onde agem esses guardadores de coisa alguma.
Em Brasília não houve como implantar algo simples e óbvio para qualquer capital: a cobrança pelo uso das vagas em área pública. Houve uma tentativa frustrada, chamada ‘Vaga Fácil’, em 2003, que por ter sido conduzida sem respeito adequado à legislação, acabou interrompida. Desde então, os comerciantes e prestadores de serviços reclamam, reclamam e reclamam que querem mais negócios – mas não se mexem para resolver a questão dos estacionamentos ocupados por quem não consome.
Neste caso dos estacionamentos em Brasília, o governo local também seria beneficiado. Está sem dinheiro para investimentos mais básicos. Poderia arrecadar uma boa quantia ao cobrar pelo estacionamento. O trânsito, conturbado em horários de pico, seria aliviado pela consequente movimentação maior do transporte coletivo.
No primeiro instante da cobrança, talvez haja alguma retração dos consumidores em ir de carro ao comércio onde houver cobrança por estacionamento, mas é uma mudança cultural que irá ocorrer aos poucos, como o foi em diversas outras cidades pelo Brasil e pelo mundo.
Este caso dos estacionamentos lotados que prejudicam vários segmentos da população é um exemplo que ilustra como a sociedade brasileira precisa acordar para o fato de que precisa se organizar, discutir constantemente diversas questões que porventura a incomodem, apontar soluções factíveis e consensuais, buscar seus representantes legais e cobrar providências.
Atualmente, o estacionamento público gratuito gera impactos negativos e quem é prejudicado parece que está a ver o tempo passar para ver se alguém, um dia, decide por ele e resolve a questão.
O problema é que isso pode acontecer sem a participação dos principais interessados e a solução a ser adotada pode até mesmo ampliar os impactos negativos.
Se cobrar pelas vagas não for a solução, outra tem que ser encontrada, debatida e adotada. A Capital Federal não suporta mais tanto carro…