Plateia lotada. A campainha toca três vezes seguidas. Abrem-se as cortinas. Os músicos se posicionam em cena e o espetáculo começa. O público divide os olhares: ora para os artistas, ora para a lateral do palco onde acontece um show à parte. Ali, naquele pequeno espaço, duplas de profissionais que trabalham com Libras (Língua Brasileira de Sinais) se revezam para “falar com as mãos” e dançar. Sim, é um musical. Elas precisam se expressar com corpo também, trazendo mais emoção à apresentação dançando samba, forró, “sofrência” entre outros ritmos, enriquecendo o evento com uma comunicação totalmente inclusiva e emoldurada pela igualdade, respeito e amor à pessoa surda – um contingente de mais de 10 milhões de cidadãos brasileiros, sendo 2,7 milhões com surdez profunda, segundo dados do IBGE.
Agora, faça um teste consigo mesmo. Fique por alguns minutos com os ouvidos tapados, em um ambiente com várias pessoas conversando e interagindo entre si. O fato de você não escutar nada e não conseguir participar desse bate-papo descontraído, mostra como pode ser desesperadora essa sensação. E tem mais. A dificuldade em escutar leva o indivíduo ao isolamento, à tristeza, à falta de interesse em participar de reuniões e atividades em grupo, podendo chegar à depressão.
“Nosso trabalho possibilita a intermediação entre surdos e ouvintes e permite que as pessoas surdas possam cada vez mais ter acesso à informação, às oportunidades e ocupar diversos espaços na sociedade. Através do auxílio do intérprete de Libras o surdo pode estudar, participar de eventos culturais, políticos e principalmente se manifestar como pessoas pertencentes a um grupo social”, define Eliane Ferreira, psicóloga, intérprete de Libras desde 2014 e proprietária da empresa Motiva Incluir.
Sua inspiração, ao decidir atuar nessa área, veio de um histórico de família. Seus sobrinhos Paulo e Marcela nasceram surdos e então ela resolveu aprender a língua de sinais para interagir com eles. Daí em diante, mergulhou nesse universo onde as pautas sobre diversidade e inclusão sempre se fizeram presentes em seu ambiente familiar. Prova disso é que seu filho Flávio Santana Muniz Júnior, 15 anos, é exemplo de adolescente engajado e ativo quando se trata da causa. Ainda nesse contexto, convive o seu noivo, Marcio Braga, que é cego e atleta paraolímpico.
Rompendo barreiras
Samara (à esq.) e Eliane, da Motiva Incluir, mostram como se fala "boas festas" em Libras
Em seus dez anos de prática, Eliane descreve a profissão como dinâmica e eclética, pois a cada dia está em um lugar diferente, lidando com temas distintos: eventos corporativos de integração com acessibilidade, treinamento de brigada de incêndio, rodas de conversa, trio elétrico, oficinas de teatro, workshop de percussão, palestras motivacionais etc. Seu portfólio destaca também alguns episódios, no mínimo inusitados. “Já interpretei em um velório e também me emocionei muito durante o parto de uma mãe surda. Fiquei internada com a mãe durante cinco dias, da entrada na maternidade até a alta dela e do bebê”.
Este trabalho normalmente é realizado em dupla. Sua parceira, a administradora de empresas Samara Machado, está há 5 anos nesse mercado. “A princípio fiz o curso somente para conhecimento e posteriormente conheci uma surda que me contou as dificuldades de encontrar profissionais sérios, fluentes e competentes na área, o que me inspirou a iniciar a profissão e fazer a diferença”, complementa Samara.
Dependendo da modalidade e da quantidade de horas que o evento demanda, é necessária uma equipe maior para que se faça um rodízio de profissionais. De acordo com as intérpretes, é importante ter momentos de descanso, pois traduzir uma língua oralizada para uma sinalizada, com regras gramaticais diferentes, exige muito da atenção e da atividade cerebral do grupo.
Para quem quer entrar nesse mundo e aprender com as diferenças, o recado de Eliane Ferreira é simples e direto: “Procurem uma escola que ofereça um curso de qualidade, com professores surdos e ouvintes, que além da sinalização ensinem sobre a cultura dos surdos e principalmente que tenham contato com pessoas surdas. Ao aprender a língua de sinais, você não só aceita o surdo, mas também abre portas para conexões genuínas, para a diversidade e para a riqueza humana que nos une, rompe barreiras e derruba preconceitos. Afinal, a inclusão começa com o reconhecimento de que cada ser humano tem o direito de ser quem é, e de ser visto em sua totalidade”.
Vale lembrar que a legislação brasileira garante o direito à informação e à igualdade de oportunidades, previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e que a presença de intérpretes de libras é uma exigência em muitos contextos, como em serviços públicos, eventos governamentais, artísticos e culturais, locais turísticos entre outros.
Os contatos com Motiva Incluir podem ser feitos pelo Instagram @motiva_incluir
