O município de Novo Airão (AM) é um local com muitas histórias. Nesse território sagrado viviam os parentes do povo Manao, Juma e o Tarumã. Os registros que dão conta de sua presença também informam que eles se viram forçados a imigrar para antiga Guiana Inglesa. Apenas os Waimiri Atroari continuaram resistindo na região.
Em 2021, a palavra resistência ainda define as nossas vidas e o nosso cotidiano. Continuamos enfrentando preconceitos em relação a nossa identidade por parte de uma sociedade profundamente autoritária e dividida em classes.
Hoje, manifestamos nossas dores, saímos de nossas casas e vamos a lugares desconhecidos pelo nosso povo. Para a COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, viajaram cerca de 40 lideranças indígenas, a maioria mulheres, que resistem e somam as suas vozes à luta pelo planeta e pela terra e o direito de viver nela.
“Nosso dever como mulheres indígenas e como lideranças é fortalecer e valorizar nosso conhecimento tradicional, garantir os nossos saberes, ancestralidade e cultura, conhecendo e defendendo nosso direito e honrando a memórias que vieram antes de nós. Demarcação já! ’’, declarou nossa irmã Vanda Ortega, do povo Witoto.
Precisamos, agora, parar; agir e ouvir o que fala a nossa irmã Terra
Pesquisas divulgadas em vários sites confirmam que as terras indígenas são áreas mais preservadas nos últimos anos. Nosso território é reconhecido como lugar sagrado e não como propriedade, mas sim como pertencimento. Há muito tempo invadem as nossas casas, roubam nossas crenças e acabam com nossas identidades. E vivemos rodeados de incertezas, promessas, irresponsabilidades com povos originários e tradicionais.
Anãti mahsã percasan mahsã? (Tudo bem com vocês homens brancos?)
Hoje somos perseguidos por lutar pelos nossos direitos. E ainda temos de ouvir coisas como a fala do presidente da República, Jair Bolsonaro, que disse que uma “índia” (nossa irmã de luta Txai Suruí) “foi a Glasgow para atacar o Brasil “. Ao contrário. O que a realidade nos mostra é que as agressões e ataques aos povos indígenas se tornaram mais intensos nesse desgoverno!
Horopakó com os demais integrantes do projeto de educação indígena, em Novo Airão (AM)E esses ataques não são apenas físicos e ambientais. Eles também se manifestam no cerceamento de direitos básicos e em atos como a desvalorização da nossa cultura. Aqui em Novo Airão, tivemos uma triste notícia de que as atividades do projeto da formação de professores indígenas seriam interrompidas. A paralisação prejudicou 41 alunos nessa segunda etapa, que investiram tempo e dinheiros para vir ao município.
Apesar de termos entregue, em 29 de junho, a proposta de realização das aulas a partir de 8 de novembro, na véspera da data inicial fomos surpreendidos por uma decisão unilateral do governo de cancelar a turma, com a justificativa da “falta de espaço físico”.
Com isso nosso futuros professores, que vivem na comunidades do entorno do Baixo Rio Negro, tiveram que retornar para suas aldeias, arcando com as despesas da logística fluvial.
A irmã de luta Txui disse na COP26 em alto e bom som: “Vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis’. Esse é o nosso grito também. Estamos nesse espaço de fala mundial, mas digo nessas linhas que desde a chegada dos portugueses nossos ancestrais têm sofrido uma série de opressões e invasões.
Por isso, finalizo esse texto lembrando algo que já deveria ter sido entendido e aprendido:
- Não tem como reviver povos extintos!
- Não tem como recuperar a floresta que um dia existiu!
- Não tem como recuperar vidas de animais extintos!
Se vocês não podem recuperar nada disso, por favor apenas parem de destruir e nos respeitem. Assim como os demais brasileiros, desempenhamos inúmeras profissões: administrador, professor, contabilidade etc., mas, essencialmente, somos pais, mães, filhos, filhas, tias, tios...
Na essência, somos todos nós filhos do universo.
Obs.: A foto que abre esse artigo é do líder indígena Kretã Kaingang, na COP26 / Fonte: reprodução Twitter
