Pelo menos duas vezes por semana, o contador aposentador José Roberto Pissiguelli, 63 anos, sai de casa para ir ao estacionamento do Makro Atacadista, no bairro da Lapa de Baixo, na Zona Oeste de São Paulo. Estaciona o carro diante de um contêiner, sai e entrega sacolas contendo todo tipo de embalagens pós-consumo. Ao ser questionado sobre o código do aplicativo ou o CPF, seu semblante assume um ar de “enfado”. “Não venho aqui para ganhar pontos e trocar por produtos. Meu objetivo é apenas colaborar para um planeta mais saudável”, destaca.
José Roberto não está sozinho nesta verdadeira cruzada. Outros milhares de conterrâneos recorrem a uma das cinco unidades lojas-contêiner da Molécoola, espalhados pela cidade. O negócio foi criado em março de 2017 e consumiu R$ 1 milhão entre recursos próprios do empreendedor Rodrigo Jobim Roessler, 45 anos, e de investidores-anjos. Trata-se de sua segunda experiência empresarial.
A primeira foi uma rede de clínicas de estética, inaugurada em 2002, em sociedade com colegas do curso de administração na Fundação Getúlio Vargas e da Accenture, uma das empresas nas quais atuou como executivo. “As três unidades eram rentáveis, mas nenhum dos sócios demonstrava prazer em levar o negócio adiante”.
Rodrigo Jobim Roessler, fundador da MolécoolaO retorno à carreira de executivo durou até 2014, quando Rodrigo decidiu se lançar como consultor independente. Foi durante um destes trabalhos, em parceria com Rogério Buhrer de Moraes, cofundador da Molécoola, que o empreendedor se apaixonou pelo segmento de resíduos. Para entender como ganhar dinheiro neste setor, ele estudou o tema a fundo. Analisou as experiências existentes nos Estados Unidos e na Europa, e fez benchmark com diversos aplicativos e sistema de coleta, em operação no Brasil.
Nesta jornada de conhecimento, Rodrigo descobriu que o hábito de separação do lixo já estava entronizado entre os brasileiros. Contudo, muitos se sentiam desmotivados e até, digamos, enganados. “Não adianta separar o lixo, se na hora da coleta tudo é jogado em um mesmo caminhão e levado para o aterro”.
Todos estes componentes tiveram influência no desenho do modelo de negócios da Molécoola. Desde a criação do aplicativo, que premia os usuários com recompensas (produtos e serviços), passando pela forma de divulgação (com campanhas nas redes sociais, a partir da geolocalização) e o sistema de operação das lojas, a cargo de profissionais oriundos de cooperativas de reciclagem.
É neste contingente que o empreendedor se apoia para fazer a empresa crescer. “Nossa perspectiva é instalar mil contêineres, nas diversas regiões do Brasil”, conta. Para atingir esta marca, ele está dando os retoques finais no desenho de um sistema de franquia. O custo estimado de implantação de cada unidade, capaz de captar até 18 toneladas por mês, é de R$ 50 mil. O investimento sairia de três fontes: capital próprio do franqueado, empréstimos subsidiados por programas de reciclagem e recursos de parceiros (empresas interessadas nesta causa).
Rodrigo projeta um ganho líquido mensal de, pelo menos, R$ 2 por cada franqueado, dependendo do montante captado e da cotação de cada item (vidro, papel, papelão, alumínio e PET, por exemplo) no mercado. Tanto a questão legal (a Política Resíduos Sólidos), quanto a consciência ambiental das empresas (que aderiram a pactos globais de sustentabilidade) ajudam a corroborar a visão otimista do paulistano que toca o negócio com a ajuda de oito executivos e 13 operadores que atuam nas cinco lojas espalhados por áreas comerciais de São Paulo, incluindo os shopping Center Norte e Cidade Jardim e o parque Burle Marx.
Além de abnegados, como o contador aposentado José Roberto, que recicla por uma questão de consciência ambiental e sempre doa roupas para pessoas em situação de rua, o sistema da Molécoola contempla outros 2,5 mil paulistanos que buscam recompensas em forma de produtos fornecidos por empresas do setor de bebidas, de limpeza e higiene e de beleza. Eles têm, também, a opção de serviços, como crédito no Bilhete Único ou descontos no Uber ou, ainda, para jogos no Xbox e na loja Google Play.
Na cidade de São Paulo, uma família-padrão, composta de quatro integrantes gera 4 quilos de material reciclável, por dia. Este volume corresponde a um número entre 40 mil a 60 mil pontos, dependendo da composição do lixo reciclado.
SAIBA MAIS
Sobre a gestão de resíduos sólidos no Brasil
*Atualizado o número de contêineres ativos e o número de usuários, dia 16/11, às 12h30min.