Faça um teste numa roda de amigos e pergunte: quem de vocês já saltou de paraquedas? Quem já mergulhou nas Ilhas Fiji? Quem já praticou rafting (descida de corredeiras em bote inflável)? Quem já atravessou a Rota 66 (percurso em terra do leste ao oeste dos Estados Unidos)? É possível que alguém mais aventureiro nesse grupo ou os adeptos de esportes radicais tenham realizado algo similar. Até aí, nenhuma novidade. Mas, praticar todos esses esportes sendo paraplégico é, no mínimo, um ato de coragem.
O protagonista dessa história é Edison Passafaro, professor e coordenador nacional de acessibilidade da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). “Eu consigo mergulhar, fazer rafting, dirigir, saltar de paraquedas... mas não consigo atravessar a rua da cidade onde moro”, desabafa Passafaro, que ficou paraplégico aos 19 anos, após um acidente. Desde então – há pelo menos quatro décadas - se dedica às questões e projetos relacionados à cidadania, inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência (PCD).
Manobras radicais
Romper barreiras, superar obstáculos e desafios em todos os sentidos resumem a sua trajetória. Passafaro já viajou três meses pela Europa como mochileiro, em cadeira derodas. Em 1991, aos 30 anos de idade, foi o único brasileiro com deficiência, a participar da expedição de mergulho de Jacques Cousteau, no Projeto Fiji, nas ilhas do Pacífico Sul. Em 1997, ficou 21 dias no Nepal (norte da Índia) onde praticou rafting, fez um vôo de balão e andou no dorso de um elefante.
Suas peripécias esportivas não pararam por aí. Em 1999, realizou um antigo sonho de adolescente. Durante 30 dias fez sozinho a Rota 66, em um Mustang adaptado, percorrendo 8 mil km de leste a oeste dos Estados Unidos e atravessando nove estados americanos. Saltar de paraquedas, correr de kart e mergulhar em cavernas também são algumas aventuras desse “incansável”, que em 2000 participou da Paraolimpíada, em Sidney (Austrália), como correspondente de revistas e sites especializados no setor.
Nem mesmo o avanço da idade – hoje com 63 anos- impediu que Passafaro continuasse firme e destemido quando o assunto é esporte radical. Mais recentemente, mergulhou com tubarões em cavernas (cenotes) em Cozumel (mar do Caribe, México), saltou de paraquedas na Nova Zelândia e foi o primeiro brasileiro em cadeira de rodas a fazer uma viagem no veleiro britânico Lord Nelson, (única embarcação no mundo totalmente adaptada para pessoas com deficiência), por duas vezes. A última, em 2017, ficou quase um mês velejando, do Rio de Janeiro ao Recife.
Formar profissionais e fiscalizar: eis a questão
No entanto, por incrível que pareça, o grande desafio de quem já rodou o mundo, ainda está em seu próprio país. Na sua opinião, pouco mudou nos últimos 20 anos no quesito acessibilidade. “Continuo não atravessando a rua da cidade onde moro com facilidade e tranquilidade”, reforça. “Tivemos um suporte maior na legislação, as normas técnicas melhoraram; mas a área acadêmica não evoluiu. Ainda vemos muitos profissionais (engenheiros, arquitetos, técnicos) que saem das faculdades sem a visão daacessibilidade, do conceito de desenho universal e com o vício de origem de projetar para o homem padrão”.
Até hoje transitar em cadeiras de rodas por calçadas, entrar em certos edifícios, utilizar banheiros em locais públicos ou simplesmente tomar água em bebedouros, muitas vezes se torna uma verdadeira aventura. Não é raro visitar estabelecimentos comerciais que se intitulam “adaptados”, por exemplo, e se deparar com degraus para entrar no banheiro ou com o piso de cascalho no estacionamento. “Precisamos de profissionais qualificados e de fiscalização do Executivo para que se cumpram as normas e leis rigorosamente”.
O Brasil tem cerca de 20 milhões de pessoas com deficiência (10% da população de um país é constituída de pessoas com deficiência, segundo a OMS- Organização Mundial de Saúde). “São milhões de pessoas que poderiam levar uma vida produtiva, longe do estigma da invalidez e da incapacidade. Mas para isso elas precisam ter garantido o seu direito de ir e vir, com autonomia e dignidade”, justifica.
Al mare
Viagem pelo oceano Atlântico, à bordo do veleiro britânico adaptado Lord Nelson
Em 2012 e 2017
Cadeirantes também voam
Salto adaptado de paraquedas a 4 mil metros, em Piracicaba
Em 2000
Na caverna
Mergulho em caverna, em Cuba
1998
Fotos: acervo pessoal
