“O governo Lula tem um desafio enorme pela frente de democratização da comunicação”, diz Mãe Beth de Oxum

“O governo Lula tem um desafio enorme pela frente de democratização da comunicação”, diz Mãe Beth de Oxum

A líder comunitária e religiosa participou nesta quinta-feira (22) de um painel com dois fundadores de veículos focados em comunidades periféricas. A conversa foi parte da quarta edição do Festival FALA! de Comunicação, Cultura e Jornalismo de Causas, que acontece de 21 a 23 de setembro no Centro Cultural Cais do Sertão, em Recife.

Durante o painel, Mãe Beth, da rádio comunitária Amnésia, Marcos Wesley, co-fundador do veículo independente Tapajós de Fato, e Géssica Amorim, fundadora do coletivo de jornalismo independente Acauã, discutiram o papel que mídias protagonizadas por jornalistas periféricos na manutenção da democracia.

“Eu acho muito bonitinho o discurso do governo federal de ampliar a transmissão (das mídias tradicionais de TV e rádio) e as pessoas não terem dinheiro para comprar tv e rádio”, disse Wesley. “Nós estamos fazendo o caminho reverso”.

O jornalista contou que teve que criar cartilhas impressas sobre temas como saúde, por exemplo, para comunidades isoladas na região Oeste do Pará, que não é alcançada pelos meios eletrônicos de comunicação, o que deixa a população local sem acesso amplo à informação. Missão também de Géssica, que disse ter criado o Acauã para contar as histórias do Sertão e Agreste de Pernambuco, onde ela afirma não ter cobertura de veículos de imprensa.

mesa rosenildo 1(a partir esq.) Rosenildo, de 1 Papo Reto, Mãe Beth, Géssica e Wesley

“O nosso foco é o jornalismo local e o preenchimento de lacunas noticiosas em um deserto de notícias”, disse Géssica. “A mídia tradicional e corporativa tem um foco no que acontece nas regiões metropolitanas”.

Para Mãe Beth, os “meios de comunicação tradicionais” não retratam a pluralidade e realidade de todos os brasileiros, já que, de acordo com ela, muitos deles focam no retrato de um Brasil branco e violento, sem dar visibilidade para o dia a dia de comunidades periféricas. “Eu acho que a comunicação que a gente traz do território é essa comunicação indígena, quilombola, de terreiro”, disse a líder religiosa. “São outros valores, valores que afirmam o que é negado”.

Durante o segundo painel do dia, a jornalista investigativa Karla Mendes, o cineasta indígena Takumã Kuikuro e o jornalista e co-fundador do Coletivo Força Tururu, André Fidélis, discutiram como a democratização da informação amplia vozes de comunidades afetadas pela destruição do meio ambiente. Fidélis disse que, muitas vezes, veículos de imprensa não periféricos erram ou deixam de mencionar o nome de comunidades, criando uma imagem negativa, sempre ligada à violência. Ele lembrou de um episódio em que a comunidade Tururu foi citada em uma reportagem sobre um homicídio que na verdade havia ocorrido na comunidade ao lado, comparando-a com uma outra reportagem que destacou positivamente uma moradora do Tururu, mas sem citar a comunidade.

mesa pedro festival fala 1 papo reto(a partir da esq.) Pedro Borges, do Alma Preta, Karla, Kuikuro e Fidélis

“É importante falar o nome das comunidades”, ele disse. “O trabalho da comunicação comunitária, popular e independente é isso”. Para Kuikuro, ensinar comunidades indígenas a produzir conteúdo audiovisual é essencial para denunciar as violações e crimes ambientais que afetam a floresta Amazônica e prejudicam a sobrevivência de seu povo.

“Estamos querendo lutar para que a gente possa se tornar protagonistas das nossas histórias[...], valorizando a nossa cultura, a nossa língua”, disse Kuikuro.

Por sua vez, Karla contou como seu trabalho dentro de comunidades indígenas e quilombolas ajudou a acelerar processos jurídicos contra a destruição do meio ambiente. Mesmo em meio a ataques e assassinatos de colegas e entrevistados, ela disse que seu trabalho não pode parar e que pensa em começar projetos de comunicação dentro dessas comunidades para que aqueles que não falam português também tenham acesso à informação. “A gente não pode fazer um jornalismo extrativista, imperialista que vai lá e [apenas extrai informações]”, ela disse.

O Festival FALA, com painéis, oficinas, performances de artistas locais e rodas de conversa acontece até sábado (23). Gratuito e aberto ao público, ele reúne jornalistas e comunicadores para a discussão do papel do jornalismo de causas e meios alternativos de expressão.

 

Isabela Rocha

Autor: Isabela Rocha

Sobre o/a Autor(a) Isabela Rocha é jornalista freelancer. Apaixonada por escrita, comunicação e justiça social, seu sonho profissional é trabalhar para o avanço da igualdade de gênero e do combate ao racismo. Ela acredita no poder democrático das notícias e sempre busca contar histórias relacionadas à diversidade para normalizar a vida de minorias sociais.


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