No Berinjela, a sustentabilidade começa no cardápio

O bairro do Tatuapé, no coração da Zona Leste de São Paulo, esconde muitos tesouros gastronômicos. Negócios longevos e que preservam a cultura gastronômica do início do século 20, especialmente as receitas trazidas pelos imigrantes europeus que ali chegaram nesta época. Um destes tesouros é o Bar do Berinjela, que se impõe majestoso diante de um acanhado espaço verde na altura do número 67, da Praça 20 de Janeiro. Desde 1964, o local vem se consolidando como um ponto de encontro de amigos e famílias que vivem na região.

A partir de 2013, no entanto, ganhou projeção nacional ao vencer a etapa São Paulo do disputadíssimo concurso Comida di Buteco, criado em 2000 por profissionais de marketing da extinta Rádio Geraes, de Belo Horizonte. “Nos meses de realização do concurso nosso movimento cresce na faixa entre 50% e 60%. E muitas destas pessoas se tornam clientes cativos”, conta José Manuel Gomes Leitão, mais conhecido como Zé e que comanda o local com o auxílio da mulher Débora Regina Santarelli e dos filhos Lívia e Caio. O caçula Kauê, de 11 anos, faz uma presença VIP como mascote da turma e mais conhecido por berinjelinha.

A cultura do boteco entrou na família quando o pai de José, Manuel Gomes Leitão, comprou o ponto. O nome de batismo foi inspirado no apelido do seu Manuel, que vendia berinjela nas feiras do bairro. Nos últimos anos, porém, tão forte quanto a cultura gastronômica do local, cuja força reside nas receitas preparadas com o fruto da planta Solanum melongenium, originária da Índia, tem sido a adição de práticas e processos sustentáveis ao modelo de negócio.

Reciclagem, horta e energia solar

primeira delas aconteceu em 2014, quando o óleo utilizado na fritura das iguarias passou a ser recolhido por uma empresa certificada. Na sequência foi a vez das embalagens de papel, papelão, plástico, além de garrafas de vidro, entregues em postos de coleta do bairro. “Estas inciativas partiram dos meus filhos” conta Zé, com indisfarçável orgulho.

Além de dar um destino correto aos resíduos, os herdeiros decidiram aproveitar melhor a parte de cima do bar. Ali, foram instalados uma composteira, onde restos de alimentos se transformam em adubo, e um sortido canteiro de ervas e temperos. Quem faz “às vezes” de tela de sombreamento é uma vistosa parreira, plantada pelo patriarca seu Manuel, que a cada ano garante de 100 a 150 cachos de uva branca e reduz o impacto dos raios solares sobre de os pés de alecrim, hortelã, tomilho, manjericão, cebolinha e salsinha. Tem também frutas, como morango e tomate cereja.

Na edição 2018 do concurso Comida di Buteco, o petisco com o qual eles concorrem é o Berinjelowski, antepasto feito de casca de berinjela, cogumelos flambados na vodka, azeitona, tomate e castanhas. “Antes, jogávamos as cascas de berinjela no lixo. Um desperdício tremendo se levarmos em conta que compramos 800 quilos do produto, a cada mês”.

A mais recente iniciativa foi a instalação de duas placas fotovoltaicas no teto do prédio. A ideia partiu de um dos sócios da Araci Solar, empresa que comercializa equipamentos e cuja sede fica na mesma região. E os resultados já estão aparecendo. “Em dois meses nossa conta de luz caiu cerca de 25%”, conta Lívia, 23 anos, a primogênita. Graduada em gestão ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduanda em Responsabilidade Social Empresarial, no Senac-SP, é ela quem comanda a guinada verde do Berinjela.

Lívia explica que o boteco da família está funcionando como um laboratório para seu mais novo projeto: a criação de um selo verde para comércios com este perfil. E conhecimento ela tem de sobra. Não apenas pelo lado acadêmico. Afinal, desde a mudança do estilo de gestão dos resíduos do Berinjela a quantidade de lixo desabou de cerca de 10 sacos, de 100 litros, para apenas dois, a cada dois dias.

Para que o processo ganhe musculatura, ela e o irmão estão estudando processos capazes de transformar o boteco da família numa empresa lixo zero. A partir daí, pretendem usar as lições para convencer os comerciantes do bairro. “Nosso objetivo é mostrar que iniciativas simples podem gerar dividendos importantes, inclusive do ponto de vista financeiro”, destaca. “Afinal, a matéria prima de nosso petisco que concorre no Comida di Buteco é um insumo que antes seguia para o lixo”.

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