Gastronomia empreendedora e com pegada social

Nos últimos 20 anos, a gastronomia vem ganhando fora no Brasil. Este movimento pode ser visto a partir do crescimento dos cursos na área, oferecidos em concorridas (e caras!) faculdades, além de escolas técnicas. Outro componente deste fenômeno é a expansão de empórios, delicatessen e quitandas orgânicas especializados em ingredientes diferenciados. Muitos trazem a marca do movimento que defende a cozinha de raiz, enquanto outros empunham a bandeira do comércio justo e solidário, que valoriza produtores rurais e pequenas indústrias nos quais a preocupação com a sustentabilidade está em toda a cadeia.

Dois paulistanos, o chef Maílson da Silva e o jornalista e empreendedor Arnaldo Comin, são caudatários deste processo. Cada um a seu jeito. No sábado 19, o chef Maílson reuniu um grupo de mulheres no bairro de Moema, região sudoeste de São Paulo, para um workshop sobre bolo de natal. A plateia atenta e participava acompanhava cada detalhe da aula.

Maílson é um apaixonado pela gastronomia desde a mocidade, quando recebeu da mãe Maria Jucélia a incumbência de esquentar a comida dos irmãos. Na hora de decidir pela carreira, optou por um curso de tecnologia, na FATEC-SP. Terminou esta jornada e emendou num curso de gastronomia na Faculdade HOTEC, também em São Paulo.

Desde então passou por muitos restaurantes, até ir parar no cast da terceira temporada do Hell´s Kitchen – Cozinha Sob Pressão, reality show que vai ao ar aos sábados no SBT. Está entre os seis finalistas do programa. A fama advinda da exposição na TV por mais de dois meses (o programa começou em agosto e fica no ar até dezembro), fez com que ele passasse a ser requisitado para eventos: jantares para grupos fechados e aulas-show, por exemplo.

Militante da gastronomia sustentável e de raiz, Maílson também atua como blogueiro em 1 Papo Reto. Dois de seus textos foram premiados no concursos SP Capital Mundial da Gastronomia, em 2014 e 2015.  Na aula-show de sábado, realizada no empório Rua do Alecrim, ele fez questão de reforçar a sua crença. “As receitas de Natal se apoiam em muitos produtos importados, mas nada impede que privilegiemos os sabores locais”, disse. “Isso não prejudica a tradição e ainda torna a festa mais brasileira.”

E não se trata apenas de discurso. Na receita do delicioso bolo, mostrado na foto que abre esta reportagem, em vez de vinho do porto, o bom e velho licor de laranja, que ele comprou em recente viagem à histórica Parati. No lugar do chocolate, o cacau da Bahia. Para substituir o damasco, lascas de cupuaçu banhadas em calda de açaí. “É mais fácil encontrar damasco nos mercadinhos de esquina, do que os frutos tipicamente brasileiros”, lamenta.

Virada na carreira

O Rua do Alecrim surgiu há quatro anos, quando casal Iris Jönck e Arnaldo Comin decidiram dar uma guinada em suas carreiras nas áreas de publicidade e jornalismo, respectivamente. Começaram em uma casa acanhada numa vila no bairro de Vila Mariana. O negócio ganhou dimensão e hoje está em seu terceiro endereço: a rua Normandia, um pedaço charmoso e bucólico de Moema. “Recebemos pessoas de todos os cantos do Brasil que nos conhecem por meios das redes sociais e quando vem à cidade fazem questão de dar uma passada por aqui”, diz Arnaldo.

Segundo o empreendedor, o negócio acabou sendo beneficiado pelo movimento que coloca a gastronomia e a valorização de novos ingredientes como uma tendência cada presente na vida dos paulistanos de todas as classes sociais. Para se diferenciar da concorrência – tanto a tradicional como a dos supermercados, quanto a de gigantes globais como a rede italiana Eataly -, ele aposta na curadoria. “Trabalhamos com produtos diferenciados, garimpados em diversos pontos do Brasil e do mundo”, conta Arnaldo.

Além de cozinhar (o bolo estava uma delícia!), o chef Maílson também fez questão de dividir com os alunos um pouco de sua visão crítica sobre a gastronomia. Para ele, a valorização desta atividade é fruto da luta de inúmeros pioneiros como o chef Alex Atala: “Ele teve de ser homenageado no exterior para ser reconhecido pelos brasileiros”. Desde as culinaristas (cuja essência é colocar em prática uma receita específica), até os chefs de cozinha que se preocupam em pesquisar tipos de tempero, de frutos, de vegetais e de hortaliças existentes na rica biodiversidade brasileira.

“Ainda temos um longo caminho a percorrer para que os pratos e os sabores tipicamente brasileiros sejam tão valorizada quanto a cozinha de outros países, que ganham cada vez mais adeptos entre os brasileiros”, diz. Como exemplo, cita a culinária japonesa que há cerca de 20 anos era praticamente desconhecida e hoje pode ser encontrada em qualquer esquina das grandes cidades. “Espero que o mesmo aconteça com os pratos preparados com ingredientes que falam da nossa história.”