A expressão "Tereza", referência usada dentro do sistema prisional, significa a confecção de uma corda improvisada, feita com lençóis amarrados um no outro, com o objetivo de fuga. A origem do nome - ou gíria - não se sabe ao certo. O que se sabe é que, na cultura carcerária, nomes femininos são frequentemente usados para contextualizar algo humanizado e solidário. Resumindo, "Tereza" é LIBERDADE de viver, de empreender, de ser feliz. Sim: “Tereza Vale a Pena”.
O Projeto
“Tereza” surgiu das cooperativas sociais incubadas pelo Instituto Humanitas360 (H360) em unidades prisionais, onde realizavam um trabalho em prol dos direitos humanos e da promoção da cidadania ativa. O objetivo era oferecer às prisioneiras e egressas a oportunidade de reinserção na sociedade, por meio de uma ocupação digna, que lhes trouxesse independência, autoestima e qualidade de vida. O início foi em 2019, na Penitenciária de Tremembé, no interior do Estado de São Paulo, visando diminuir a violência dentro do sistema prisional. Na época, essas cooperativas sociais faziam parte do programa Empreendedorismo Atrás e Além das Grades. As carcerárias participavam de várias oficinas de capacitação profissional, aprendendo bordado, crochê, costura e outros tipos de artesanato, conduzidos pelos designers Renato Imbroisi e Cristiana Barretto. Os recursos arrecadados com a comercialização das peças ali confeccionadas eram divididos entre elas.
“Infelizmente, o projeto ‘atrás das grades’ foi descontinuado e hoje, o nosso empreendimento acontece ‘além das grades’. As ‘Terezas’ são essas mulheres que saíram da prisão – a maioria em liberdade condicional ou em regime aberto – e abraçaram essa causa que busca transformar suas vidas e devolver a elas a legítima liberdade”, argumenta Lucia Helena Ribeiro, gestora do projeto. Hoje, “Tereza” é um negócio social independente, com CNPJ próprio, atuando em parceria com a Humanitas360.
A Marca
Atelier de costura das Terezas / Foto: divulgação
A grife “Tereza” cresceu, amadureceu e se tornou um negócio com forte identidade e valor agregado. Imprime em seu DNA a responsabilidade social e a sustentabilidade, totalmente comprometida com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de inclusão e consciência ambiental, estabelecidos pela ONU. Em seu ateliê de costura que funciona no CIVI-CO (espaço de coworking no bairro de Pinheiros/SP), essas mulheres criam os mais diversos produtos e coleções com designs diferenciados, feitos com feltro, garrafas pet recicladas e outros materiais. Bolsas, carteiras, porta-óculos, itens retrô com bordados “da vovó” são apenas algumas opções nas prateleiras da “Tereza”. A empresa também atende ao público empresarial, customizando os seus pedidos e aceitando encomendas para a produção de brindes corporativos.
O que elas dizem
“Vimos várias. Mas, proposta que faz acontecer, só vi essa”.
“No início, confesso que não acreditei que essa oportunidade daria certo. Hoje sou uma empreendedora”.
“É o começo de uma nova história, que sei que vai mudar a minha vida”.
Os depoimentos acima são unânimes entre as “Terezas”. Cada uma tem a sua história, suas lutas e desafios. Mas nada é mais compensador do que o brilho no olhar, o sorriso de alegria, a descoberta de um novo talento e a força de acreditar num recomeço promissor fora das grades.
Flavia Maria da Silva, apostou nesse projeto com todas as suas forças. Ficou 11 anos presa e está há um ano e 7 meses egressa. Cursando o 3º. ano de Direito, Flávia tem um discurso bem articulado e a postura de quem sabe o que quer. Atualmente é funcionária da Humanitas360, atuando como gestora de pessoas da marca “Tereza” e supervisora de projetos. O mais recente deles é o “Saidinha” (são 5 “saidinhas” temporárias por ano, benefício concedido ao detento que cumpre determinados requisitos previstos em lei). “No dia da saidinha erguemos uma tenda do lado de fora da penitenciária e levamos às detentas o café da manhã, produtos de higiene, roupas, além do apoio e orientação jurídica”, esclarece.
No palco
Martinho Musical / Foto: Erika Almeida (divulgação)
Este ano as “Terezas” deram um salto importante em suas trajetórias. Elas foram contratadas para participar da criação, construção, execução, costura e bordado dos 250 figurinos que compõem a peça “Martinho, Coração de Rei- o Musical”, em parceria com o cenógrafo e figurinista Claudio Tovar. O espetáculo, idealizado por Jô Santana e dirigido por Miguel Falabella, narra a história de Martinho da Vila, esse ilustre sambista que enaltece a MPB no Brasil e exterior. Foram dois meses de intenso trabalho nos bastidores, do faz, desmancha, refaz e acerta, e, finalmente, o elenco de mais de 20 atores entrou em cena vestindo uma verdadeira e vibrante obra de arte de cores, estampas e brilhos. (Fica a dica para quem ainda não assistiu, a peça é encenada no Teatro Sergio Cardoso/SP, até o dia 24 de novembro). Essa parceria repete o sucesso de “Marrom, o Musical”, também dirigido por Falabella, que homenageou a cantora Alcione, cujo figurino contou as mãos das “Terezas” maranhenses, estado de origem da cantora.
“Estou livre, e Agora?”
Esta é a pergunta corriqueira que acompanha as mulheres quando retornam para a vida além das grades. Por isso, a Humanitas360 criou a série “Estou Livre, e Agora?” no Tik Tok, com alguns episódios, onde são apresentados vídeos curtos e com exemplos práticos, esclarecendo os direitos e os deveres de quem acabou de deixar o sistema prisional. Os conteúdos são protagonizados por colaboradoras do H360 e membros da “Tereza” que passaram pela experiência do cárcere.
Para assistir à série, acesse o link do H360:
Telefone/WhatsApp- (11) 91306-3055
