Para ser agricultor é preciso saber lidar com perdas

Desde que me tornei agricultora, um dos aprendizados mais difíceis para mim é lidar com as perdas. Eu fico muito mal quando algo sai errado ou quando algo em que eu investi tempo e dinheiro não apresenta o resultado esperado. Eu chego a pensar que para ser agricultor é necessário ter mais sangue frio do que para investir na bolsa de valores. Salvo algumas exceções, na bolsa, basta respirar fundo, segurar a adrenalina e esperar. A médio e longo prazo o investimento acaba sendo recuperado.

Na agricultora não. O dinheiro que você investiu em uma plantação, e por algum motivo não deu certo, está perdido. A alternativa é deixar a perda de lado, aprender com aquele erro,  buscar uma solução nova ou tentar corrigir o erro para a próxima safra. Muitas vezes, é necessário esperar um ano para fazer as correções necessárias. Os tempos da natureza não podem ser ignorados. Se ignorados, as chances de sucesso são mínimas.

Como jornalista e assessora de imprensa, encontrar soluções e tomar decisões era algo natural e corriqueiro. Porém, qualquer ajuste de rota era implementado com muita rapidez e os resultados eram, quase sempre, imediatos. Com a natureza também é fundamental não perder o timing, mas os resultados vêm a longo e médio prazo e estão sujeitos a uma série de condições e intempéries que podem colocar todo o trabalho em risco.

Muda de abacate

Depois de sofrer muito com uma plantação de maracujá que não deu o resultado esperado e de perder uma plantação de cabotiá que já estava negociada, comecei a ouvir histórias de outros produtores. “É assim mesmo”. “Acontece”. São unânimes em dizer que não é fácil e, ao mesmo tempo, lidam com as perdas de uma forma tranquila. “Faz parte!”.

As histórias são muitas e se repetem. Um produtor que arriscou plantar melão com o clima mais frio se deu mal. O frio impediu o desenvolvimento da planta e, se ele conseguir colher alguma coisa, o fruto não terá mesma qualidade do que ele colheria se tivesse semeado o melão com o tempo mais quente. É a natureza impondo os seus tempos.

Um outro produtor, que está investindo em abacate, perdeu mais de 400 mudas de um total de 1.500 plantas. As mudas morreram depois de serem levadas para o solo e a solução para ele foi comprar mudas novas e replantar.  Soube dessa história porque também estou investindo em abacate e minhas mudas quase morrem. Consegui socorrer a tempo de perder apenas uma. O que ele me disse? “É assim. Morre mesmo”.  “Muda de abacate é muito sensível”.

Além desse tipo de perda, há ainda o risco de produzir e, na hora da colheita, o preço ofertado pela sua produção não cobrir o investimento. Esta não é uma realidade para quem trabalha com orgânicos. O preço dos produtos orgânicos oscila dentro de uma margem que não onera o produtor rural. É um mercado mais justo e sustentável para toda a cadeia.

Mas o mercado chamado convencional pode ser muito cruel com o pequeno e médio produtor.  Um exemplo. Em 2018, o saco de 40kg de cebola chegou a valer R$ 6,00 na roça (o preço pago para o produtor). Naquele ano, o custo para produzir um saco de cebola foi de R$ 20,00. A conta não fecha. Muitas vezes, vale mais a pena não colher do que vender.

Quando os preços de frutas e legumes estão baixos ou em oferta, tenha certeza que, por trás daquele alimento, há um produtor rural que teve prejuízo.

Vale lembrar que essa realidade que estou relatando é a do pequeno produtor, do agricultor familiar. A agricultura familiar, no entanto, é responsável pelo fornecimento de mais 70% do alimento que vai para a mesa do brasileiro. Não conheço a realidade dos grandes produtores, aqueles que trabalham com agricultora de precisão, para saber se enfrentam as mesmas dificuldades e problemas. 

Talvez com o passar o tempo eu fique mais calejada e saiba lidar melhor com as perdas. Mas acredito que não.  Talvez o crescimento do mercado de orgânicos e nos leve uma realidade de consumo mais consciente, que valorize mais o produtor rural, e seja um caminho para uma agricultura genuinamente mais sustentável. Uma agricultura que atenda o tripé da sustentabilidade: social (produtores e funcionários mais bem remunerados), ambiental (agricultora orgânica anda junto com a preservação do meio ambiente) e dos negócios (empreendimentos que gerem lucro).

Estamos apenas no início dessa história. Os próximos capítulos dependem de cada um de nós.  

Milena Miziara

Autor: Milena Miziara

Sobre o/a Autor(a) Milena Miziara é jornalista. Desde 2019 também atua como sócia-fundadora da marca de frutas Laverani Orgânicos (SP)


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