A primeira coisa que chama a atenção dos interlocutores da atriz baiana Maria Gal não é a beleza. Até porque, seu rosto é bastante conhecido de quem é antenado no que rola em editoriais de moda, em propagandas institucionais, no teatro e nas novelas da Globo.
Sim, ela é tão bonita ao vivo quanto parece no vídeo. Posso garantir. No entanto, a beleza (necessária!) já dizia o poeta, deve vir acompanhada de conteúdo e, se possível, de uma generosa dose de simpatia.
E Maria Gal reúne todos estes atributos. De sobra.
Ela é do tipo que se pode dizer que não nasceu, estreou! Tamanha é sua facilidade para navegar pelo mundo das artes. Da literatura à tela da TV, passando pela dança e as páginas de revistas onde empresta seu rosto para propagandas e seu charme para ensaios sensuais.
Melhor dizendo, sen-sua-lís-si-mos, como as imagens captadas pela fotógrafa Julia Rodrigues para a revista VIP, de setembro de 2014.
Na semana passada, 1 Papo Reto teve a oportunidade de conversar longamente com esta baiana criativa e multimídia, que hoje se divide entre Rio de Janeiro, aonde mora, São Paulo, e Salvador.
Mulher de fibra, Maria Gal jamais se deixou abater pelas dificuldades. Na infância, ela transformou o bullyng baseado em suas características afro-brasileiras em um livro infantil A Bailarina e a Bolha de Sabão, que se tornou referência.
Hoje, transforma desafios em oportunidades. Tanto na TV, quanto na internet, onde está prestes a estrelar a série Manual da Mulher Poderosa. Aliás, po-der-ro-sís-si-ma,
Senhoras e senhores… Maria Gal!
Sua estreia na literatura infantil se deu a partir de uma história de bullyng que marcou sua infância. Grandes estrelas e personalidades globais, como Bill Clinton e Nicole Kidman, foram vítimas de preconceito na época do colégio. No que um livro, e a literatura em geral, podem ajudar a mudar isso?
Acredito que muito do caos que vivemos vem por falta de propósito e referências. Se um adulto desde sua infância percebe referências que dialogam com sua identidade e que lhe inspiram consequentemente, ele irá buscar um propósito que fará ultrapassar todos os limites impostos pela sua consciência ou pela sociedade. Me refiro a limites de qualquer ordem, como preconceito racial, classe social, educação, acesso a cultura etc.
Hoje, no Brasil, vivemos uma carência de personagens que dialogam com o universo infantil a partir da identidade afro-brasileira nos livros, filmes, desenhos e séries de TV. Em A Bailarina e a Bolha de Sabão, o objetivo é, de alguma forma, suprir essa carência falando sobre preconceito racial pela ótica de uma menina negra.
O livro fala da história de uma menina que sofre preconceito na infância e por isso cria uma fórmula pra mudar seu corpo para que seja aceita pelas colegas da escola. A fórmula não dá certo, e ela descobre o poder que tem sendo ela mesma.
O livro foi feito para dialogar com todas as crianças, independentemente de sexo, classe social e raça que através de Maria (a protagonista) vão se identificar com sua história de vitória e superação.
A literatura infantojuvenil está centralizada em um número limitado de autores. No teatro, inclusive, a encenação é quase sempre dos clássicos estrangeiros. A montagem de peças de autores novos pode ser o caminho para romper este círculo vicioso?
Acredito que sim. Precisamos ousar mais, criando nossas histórias e abrindo espaço para novos autores. Precisamos urgente ampliar nossas referências. Inclusive, em 2014, produzi através da minha produtora em São Paulo, o espetáculo infantil As Paparutas, primeiro texto de Lázaro Ramos. Atualmente estamos buscando patrocínio para levá-lo a todo o país. O espetáculo fala sobre o respeito às diferenças e a importância de realizar nossos sonhos.
Assim como na literatura, a quase invisibilidade dos afro-brasileiros é flagrante na telinha da TV, no teatro (tanto no palco quanto na plateia), e também no cinema, à exceção dos filmes sobre escravidão e samba. Por que a comunidade afro-brasileira continua alijada da mídia?
Mais do que a comunidade afro-brasileira, quem perde é toda a sociedade porque há uma carência de referências e identidade para uma maioria da população, em todos os ramos do entretenimento cultural brasileiro. Principalmente na literatura, na TV, no cinema e teatro. E consequentemente isso reflete muito negativamente em todos nós e no nosso inconsciente coletivo.
Acredito que muito dessa falta se dá pela carência de diretores, roteiristas e produtores negros no mercado. Ou seja estamos fora diante e por trás das câmeras, que acredito que é muito pior. Ou seja ou produzimos ou produzimos.
Acredito também que essa carência é uma boa oportunidade para que o governo fomente e forme esses profissionais através de ações concretas e mais amplas com esse foco nas políticas públicas. Mas, graças a Deus já temos autores e diretores mais atentos a essa demanda. Na última novela em que atuei – Joia Rara (da TV Globo), que inclusive foi vencedora do Emmy recentemente – tinha uma quantidade maior de atores negros no elenco.
O Bando do Olodum é uma das mais exitosas companhias teatrais do país comandada por afro-brasileiros. O empreendedorismo poderia ser a saída para “emponderar” a comunidade e garantir a diversidade nas produções?
Pode ser, não, é a saída. Simplesmente não vejo de outra forma. É assim nos Estados Unidos e em qualquer outro lugar. O problema é que não fomos educados a sermos empreendedores em nossas escolas, então é necessário buscar esse estudo.
Mas, se percebermos os grandes artistas no mundo são grandes empreendedores, buscam oportunidades e fazem acontecer. Excelente você citar o Bando do Olodum. Para mim é uma das grandes referências, comecei a fazer teatro com eles, em Salvador, e o fato de se auto-produzirem é um grande diferencial! Com certeza o Bando foi minha inspiração para eu ir para o eixo Rio-SP e ter minha produtora, a Realiza! Produtora Cultural, que cuida de projetos na área de teatro e audiovisual.
Entre a nova geração de atrizes, você se mostra uma das mais ativas e multimídias. Com participações em stand up autorais, além de um programa na internet, no qual você encarna uma divertida consultora de autoajuda. Como está este projeto?
Sinceramente, acho que ainda faço muito pouco. Quero muito, muito mais! A web série Manual da Mulher Poderosa atualmente está em fase de captação de recursos e desenvolvimento. A meta é lançá-la neste ano. Inclusive se algum possível patrocinador estiver lendo este texto, pode entrar em contato, estamos inscritos nas leis de incentivo. Para quem ainda não viu o piloto, segue o link . Quem gostar pode compartilhar!
Nas comédias românticas e as sitcom brasileiras, quando aparecem negros, eles são retratados como “personagens folclóricos” ou então colocam um único afro-brasileiro para, digamos, “limpar a barra”. Será que ao aceitar ser o único negro do elenco este ator/atriz não está incentivando a exclusão?
Acredito que isso depende muito do ponto de vista. Sou do fazer, de ocupar os espaços, independente de quantos são. Em Jóia Rara descobri o amor que tenho pelo audiovisual e pela TV, e desejo atuar na próxima novela ainda neste ano. Descobri o quanto é importante nosso papel, e por isso desejo fazer a diferença.
Precisamos de Ação! AGIR, AGIR, AGIR!