Na trilha da Fiat

Para ampliar a eficiência energética e transformar o complexo industrial de Betim (MG) em uma unidade aterro zero, a Fiat investiu pesado em tecnologia e até em ações prosaicas como a instalação de claraboias nos tetos. Conheça os resultadosQuem percorre os cerca de 2,2 milhões de m² pelos quais se espalham as fábricas do Polo Automotivo Fiat, em Betim (MG), tem a impressão de estar dentro de uma cidade. Aliás, os números confirmam esta percepção. Afinal, em três turnos de trabalho na área de estamparia, de montagem, de funilaria e de produção de motores circulam 20 mil pessoas por dia. Para se ter uma ideia do que isso significa, basta lembrar que cerca de metade dos 853 municípios do estado possuem até 10 mil habitantes, cada. O gigantismo tem lá suas vantagens. Ao concentrar a produção na cidade mineira, às margens da rodovia Fernão Dias, no final da década de 1970, os italianos lançaram as bases para a criação do maior parque produtivo do grupo, em nível global, num continente no qual havia (e ainda há) muito espaço para crescer. Ao contrário da Europa onde a Fiat sempre foi uma montadora de porte médio e numa época que sequer sonhava em ser uma jogadora destacada nos Estados Unidos, o maior mercado do planeta. Em meio às vantagens surgem outras tantas pedras no caminho. A principal delas é como gerir esta verdadeira cidade de forma eficiente, inteligente e sustentável. Um desafio e tanto, especialmente em se tratando de uma empresa do setor automotivo, segmento visto com bastante ressalva por ecologistas. Pois é na seara da sustentabilidade que os italianos vêm se destacando no Brasil. A unidade de Betim desponta como um exemplo de eficiência em diversos segmentos. Desde a redução na geração de resíduos, passando pela economia de energia, até a gestão hídrica. [caption id="attachment_12299" align="alignleft" width="169"]Seção de estamparia/Foto 1 Papo Reto Seção de estamparia/Foto 1 Papo Reto[/caption] Durante uma visita guiada pelo complexo industrial, no âmbito do projeto batizado de Circuito Fiat de Sustentabilidade, 1 Papo Reto conheceu algumas das práticas que se tornaram exemplos para as demais filiais do grupo. O roteiro começa pela área de estamparia, na qual as chapas de aço são moldadas e transformadas em portas, capôs, tetos e outros componentes da carroceria dos veículos. Esta seção recebe 18 mil toneladas por mês de bobinas de aço. As folhas são cortadas e encaminhadas para as prensas. Neste processo ocorre uma perda de 45% a 50%, representado pelas aparas e retalhos resultantes de cada corte. Apesar de se tratar de um índice considerado normal no setor, os engenheiros do departamento definiram estratégias para melhorar sua eficiência, dando um destino mais nobre ao material. Desde 1998, as partes maiores são cortadas e seguem para empresas de autopeças parceiras e para as quais a montadora italiana tem de fornecer matéria prima. O restante é vendido para a Teksid, controlada pelo Grupo Fiat, que usa o material na produção de blocos de motores. “Entre 1998 e 2015 deixamos de comprar quatro mil bobinas de aço para nossos fornecedores. Trata-se de um montante equivalente a 126 mil carrocerias do Uno”, destacou Neylor Bastos, gerente da engenharia de produção da unidade de prensas. Os ajustes não pararam por aí. Neste período, a eficiência do setor também cresceu na questão energética. A compra de prensas mais potentes, de 2,4 mil toneladas, e o sistema de manutenção e atualização das antigas resultaram numa economia de 17% em consumo de energia. ECONOMIA QUE RENDE PRÊMIO Para chegar neste ponto, a direção da Fiat do Brasil adotou uma série de medidas. A começar por uma política na qual o bônus pago no final do ano aos funcionários depende do ganho de eficiência e da sustentabilidade de cada processo. Isso vale para toda a cadeia de comando: desde o pessoal do chão de fábrica até o presidente. Todos são incentivados a dar sugestões e elaborar soluções para melhoria dos processos produtivos. Como recompensa, ganham, ainda, um cartão de compras que pode ser usado em lojas, postos de gasolina e até cinemas conveniados. Para garantir transparência ao processo, todas as metas e conquistas obtidas são convertidas em gráficos, planilhas e cartazes afixados em murais em pontos estratégicos de cada departamento. Em alguns deles, como no caso da unidade de funilaria, foi construído até uma espécie de sala de reuniões e treinamento. O local é apresentado com orgulho por Isaque Lino, programador de manutenção. Especialmente na parte que fala sobre a redução de energia e do desperdício do ar comprimido. Graças à troca de lâmpadas fluorescentes por luminárias de LED, a divisão deixou de gastar R$ 2,3 milhões no ano passado. A troca de todas as 24 mil lâmpadas da unidade (número maior do que o existente nas ruas de Belo Horizonte!) deve ser concluída até o final de 2017. “De cada real investido nós economizamos dois reais”, afirma ele. No caso do ar comprimido, os R$ 99 mil gastos em equipamentos e na melhoria dos processos geraram um ganho de R$ 1,78 milhão e uma queda de 38% nos vazamentos. FÁBRICA LIXO ZERO Não há dúvidas que as recompensas pecuniárias ajudam a despertar o “professor pardal” dentro de cada funcionário da Fiat. Contudo, isso, por si só, não seria suficiente para que a subsidiária se tornasse uma referência global em sustentabilidade para o Grupo, e também em relação às demais empresas do setor, na América do Sul. Isso fica evidente em duas áreas distintas: gestão hídrica e de resíduos sólidos. [caption id="attachment_12300" align="alignleft" width="300"]ETE recicla 99,4% da água/ Foto: 1 Papo Reto ETE recicla 99,4% da água/ Foto: 1 Papo Reto[/caption] No primeiro caso, os números impressionam bastante. Afinal, na “cidade Fiat", em Betim, nada menos do que 99,4% da água utilizada no processo industrial é reciclada. Após o uso na estação de pintura, nas descargas de lavatórios ou na lavagem dos veículos, o líquido passa por uma série de processos de purificação na Estação de Tratamento de Efluentes (ETE). Além das tecnologias costumeiros em boa parte das indústrias brasileiras, a empresa trouxe de Israel o sistema de osmose reversa e de membranas. Investiu R$ 12 milhões e recuperou os recursos com a reutilização de 99% da água no sistema fabril. No ano passado foi feito um aporte de mais R$ 4 milhões, destinado a ampliar este índice em 0,4%. “A água produzida aqui é suficiente para abastecer por um ano a cidade de Betim”, conta Demerson Valadão, coordenador do complexo de tratamento de efluentes. A ETE também gera produtos adicionais que são comercializados pela empresa. Enquanto o lodo industrial é vendido como combustível para auto-fornos de cimenteiras, a matéria orgânica entra na composição de adubos. Para se tornar uma fábrica aterro zero, a diretoria da Fiat também precisou desenvolver tecnologias. Uma delas foi a de reciclagem das embalagens de isopor. Graças à parceria do departamento de engenharia com a Bemplast foi construída uma máquina extrusora capaz de triturar o produto e convertê-lo em pellets usados como matéria prima para produção de canetas, CDs e DVDs. São seis toneladas por mês. “Fomos pioneiros no setor automotivo, na América Latina, na reciclagem de isopor”, diz Natália Costa, coordenadora da Ilha Ecológica, com indisfarçável orgulho. [caption id="attachment_12301" align="alignleft" width="250"]Pellets resultantes da recilagem do isopor/Foto 1 Papo Reto Pellets de isopor reciclado/Foto: 1 Papo Reto[/caption] É ela também que apresenta aos integrantes desta jornada do Circuito Fiat de Sustentabilidade (um grupo eclético composto por acadêmicos, empreendedores da Economia Criativa e jornalistas) os demais espaços da Ilha Ecológica. Trata-se de uma unidade autônoma na qual é feita a separação e a classificação de todos os resíduos sólidos resultantes da produção. E as marcas são impressionantes. Nada menos que 96,4% de tudo que chega à Ilha são reciclados. A classificação e separação dos materiais é feita por um pequeno exército de 100 funcionários terceirizados, recrutados em empresas especializadas na tarefa. Uma parte dos insumos segue para a CooperÁrvore, cooperativa de costureiras que utiliza sobras de cintos de segurança, forração de bancos e outros materiais na produção de utensílios de decoração e uso pessoal. Durante a visita, a assessoria de imprensa da Fiat montou um pequeno show-room com os produtos. FÉ NO FUTURO As conquistas da Fiat do Brasil na área ambiental e na sustentabilidade de seu processo produtivo são importantes. Isso é inegável. Mas falam muito do que acontece “do portão para dentro”. O que, por si só, não garante a longevidade de nenhuma empresa num mundo cada vez mais desafiante, em todas as frentes. É por isso que a montadora, em nível global, começou um amplo estudo intitulado o Futuro das Cidades. O objetivo é se tornar parte da solução dos problemas, uma vez que o transporte individual é tido como parte do problema. Um dos técnicos que estão à frente desta tarefa no Brasil é o especialista em future insights da diretoria de planejamento e estratégia do produto da Fiat Chrysler Automobiles Latin America (FCA), Mateus Lima Silveira. [caption id="attachment_12199" align="alignleft" width="300"]MIO é um projeto concebido na plataforma Creative Commons com sugestões de internautas MIO é um projeto concebido a partir das ideias de internautas/ Foto: 1 Papo Reto[/caption] O trabalho começou a ser estruturado em 2013. Desde então já foram feitas inúmeras pesquisas sobre mobilidade e como os usuários enxergam o automóvel do futuro. Apesar de ter sido desenhado três anos antes, o ultracompacto MIO é parte desse debate. O veículo foi concebido levando em conta as sugestões de 17.140 internautas em 160 países. Mais uma vez, o Brasil ocupa um lugar de destaque em tudo que se relaciona à Fiat. Para entender as questões que envolvem os desafios de deslocamentos em nossas metrópoles, a equipe comandada por Silveira mandou fazer uma ampla pesquisa envolvendo 38 cidades com mais de 500 mil habitantes. Os resultados são impressionantes. Os detalhes você conhece aqui.   O jornalista viajou a Betim e a Belo Horizonte a convite da Fiat.