Lucro social para todos

EXCLUSIVO 1 Papo Reto participa de encontro de Muhammad Yunus, o banqueiro dos pobres, com representantes de ONGs e investidores, em SPVisionário, sonhador, inovador, banqueiro dos pobres, agregador, inspirador... É praticamente impossível definir o bengalês Muhammad Yunus em uma ou mesmo em poucas palavras. Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, graças ao programa de microfinanças que deu origem ao Grameen Bank, ele se tornou uma presença constante em fóruns internacionais sobre economia na base da pirâmide social e desenvolvimento inclusivo. Mas Yunus soube se reinventar e usar o prestígio e a imensa capacidade de dialogar e construir pontes para fazer uma revolução ainda maior e em escala global. Foi para contar estas histórias e angariar apoios que ele veio ao Brasil, na sexta-feira passada, 5/8. Desembarcou como convidado do Comitê Olímpico Internacional (COI), para assistir a cerimônia dos Jogos Olímpicos Rio-2016. No dia seguinte, sábado, reuniu-se em São Paulo com um seleto grupo de investidores, ativistas e empreendedores sociais. No encontro, realizado na Casa Bossa, no sofisticado Shopping Cidade Jardim, Yunus falou de sua visão de mundo, de sua trajetória empresarial e também de sua fé no futuro. Vamos começar pela última parte. Na visão do Nobel da Paz, a humanidade tem condições de acabar com três problemas graves: o desemprego, a pobreza e a poluição (neutralizando integralmente as emissões de carbono). Isso tudo até 2050. A chave dessa evolução seria a aposta maciça em negócios sociais, bancados especialmente por investidores e empresas de grande porte. [caption id="attachment_10490" align="alignleft" width="300"]Fábrica da Grameen Danone, em Bogra
Fábrica da Grameen Danone, em Bogra[/caption] Yunus sabe exatamente do que fala. Por meio de parcerias com gigantes do setor alimentício, como a francesa Danone e a canadense McCain (responsável pela comercialização de 30% da batata em palito vendida no mundo!), está gerando renda digna em diversos países e ajudando a reduzir a desnutrição em sua terra natal, Bangladesh. Lá, a Danone se associou ao Nobel da Paz para criar a Grameen Danone Foods, uma empresa que produz um iogurte super-vitaminado. O produto é fabricado em empresas locais e a venda, pelo equivalente a seis centavos do euro, é feita no sistema porta-a-porta por mulheres. “Eu comecei pedindo um aporte de US$ 50 mil ao presidente da Danone e acabamos conseguindo milhões de euros”, diz. “Ao saberem da ideia, os funcionários da Danone criticaram a empresa porque não havia lhes convidado a investir, também.” Com a McCain, uma empresa de controle familiar e de capital fechado, o processo foi mais simplificado. A começar pela abordagem, pois Yunus foi procurado pelos acionistas para ajudá-los a embarcar na onda dos negócios sociais. Os recursos emprestados pelos canadenses ajudaram a criação de uma cooperativa de plantadores de batata, na Colômbia, e de uma fabricante de sopas, na França. “Este tipo de parceria pode gerar dividendos para qualquer país, independentemente do estágio de sua economia ou do seu desenvolvimento econômico”, destacou. Foi com isso em mente que Yunus se encontrou com autoridades gregas. Ele acredita que seu modelo de negócios sociais pode ser a chave para resgatar a combalida economia do país europeu. Neste modelo, o lucro é constantemente reinvestido e o financiador (empresa ou fundo de investimento) recebe de volta a aplicação corrigida apenas pela inflação. Apesar de destacar em toda a sua fala, de quase uma hora, os desafios vividos pela humanidade, o fundador do Grameen Bank se mostrou otimista em relação ao futuro. Isso porque acredita que os negócios sociais poderão dar conta de duas das chagas que atingem a humanidade: o desemprego e a pobreza. “O sucesso desta empreitada será conseguido pelos bilhões de jovens existentes no mundo”, aposta. Segundo ele, para que isso aconteça é preciso, além de investimentos maciços, de uma mudança de postura. Para Yunus, o desemprego é tratado de forma equivocada pela maioria das pessoas. “Muitos de nós pensamos que procuramos emprego, quando o correto é nos colocar como provedores de emprego”. Ele também brinca e diz que, futuramente, termos como "desemprego" ou "emprego" serão desconhecidos da população. "Vão perguntar do que se trata, e as pessoas vão responder que 'emprego' significa trabalhar para alguém. Aí vão questionar: por que alguém faria isso?". [caption id="attachment_10495" align="alignleft" width="300"]Yunus: "Os bengalis adoram o Brasil!" Yunus: "Os bengalis adoram o Brasil!"[/caption] Mas a sustentabilidade deste processo, destaca o Nobel da Paz, não deve prescindir da obtenção de outra meta ousada que é drástica redução da poluição. Isso será possível quando atingirmos uma emissão líquida de zero dióxido de carbono e outros gases que provocam o efeito estufa. Aqueles que não conhecem a trajetória singular de Yunus podem considerar tratar-se de um sonhador. Mas o que encanta na biografia desse bengali de 76 anos é exatamente a capacidade de unir sonho com realização. Os insights neste sentido começaram no interior de Bangladesh ao visitar as vilas próximas da universidade na qual ele lecionava. Mais que pobreza, ele enxergou uma oportunidade de fazer experiências revolucionárias em diversas frentes. O Grameen Bank, por exemplo, nasceu da necessidade de livrar algumas pessoas das garras de agiotas. A Grameen Water, em parceria com a gigante francesa Veolia, foi para prover água potável. Por sua vez, a Gramenn Danone tem como foco o combate à desnutrição. Mas em todos os projetos, a grande sacada é a sustentabilidade do processo em todas as suas frentes: baixo custo de implantação e alto impacto social e econômico, além da escalabilidade. "Toda vez que eu encontrava um problema, criava um negócio", resumiu ele. Para atuar no cenário global, ele fez algumas modificações em seus projetos. Em vez do Grameen, ele opera com a marca Yunus Social Business, baseada em Berlim. A subsidiária brasileira atua fortemente com aceleração de empresas sociais. Outra vertente é a de formação e capacitação de empreendedores, por meio de projetos educacionais. “Já contamos com 30 parceiros no país”, destaca Luciano Gurgel do Amaral, gestor do fundo de investimento e aceleração da Yunus Brasil. Nada a ver com microfinanças. [caption id="attachment_10491" align="alignleft" width="299"]Matheus Cardoso, criador da empresa social Moradigna Matheus Cardoso, criador da empresa social Moradigna[/caption] Dois destes parceiros de negócios se apresentaram durante o encontro realizado na Casa Bossa, em São Paulo. Matheus Cardoso apresentou  sua Moradigna, uma startup especializada na realização de reformas de habitações de baixa renda, que atua na zona leste de São Paulo. "Nossa meta é atuar em escala nacional, chegando a 2020 com faturamento de R$ 5 milhões", contou. Por sua vez, o estudante de engenharia Caio Guimarães falou da Beone, empresa que está nascendo de suas pesquisas, iniciadas na Universidade Harvard, para o tratamento, com baixo custo, do pé diabético, problema que afeta ao menos 100 milhões de pessoas no mundo. Yunus faz questão de convencer empresários e pessoas com patrimônio de que é melhor criar negócios sociais do que doar para instituições de caridade. A diferença repousa no seguinte ponto: o negócio social, ele explica, deve ser sustentável do ponto de vista econômico, mas não objetiva o lucro - tudo que é lucro é reinvestido para criar cada vez mais impacto social. Após o encontro, Yunus, que esbanja simpatia e atende a todos com atenção e carinho, fez uma reunião com um grupo  de investidores presentes ao evento. Craque em matéria de relacionamento humano e na arte de construir pontes, Yunus fez questão de começar sua palestra saudando o Brasil e reforçando a admiração de seus conterrâneos conosco. "Quando a seleção brasileira perde, é motivo de tristeza em Bangladesh." Por Carolina Stanisci e Rosenildo Ferreira 
Milena Miziara

Autor: Milena Miziara

Sobre o/a Autor(a) Milena Miziara é jornalista. Desde 2019 também atua como sócia-fundadora da marca de frutas Laverani Orgânicos (SP)


Últimos artigos: