Quem é: José Vicente
Por que é importante: liderou a criação da Faculdade Zumbi dos Palmares, a primeira universidade privada gerida por afrobrasileiros
A trajetória profissional e pessoal de José Vicente, nascido na região agrária da cidade de Marília (SP), impressiona. Desde cedo ele já sabia o que não queria fazer. “Trabalhar na roça nem pensar”, lembra. “É uma vida muito penosa.” Para escapar desse destino, ele migrou para a cidade de São Paulo onde se graduou em direito e fez concurso para delegado de polícia. Mas foi na pós-graduação em ciências políticas, ao lado de jovens idealistas, que Vicente encontrou sua real vocação: liderar uma verdadeira revolução econômica e cultural, tendo como foco a inclusão dos afrobrasileiros na sociedade. E como mudança tem relação direta com educação de qualidade, o primeiro projeto da Afrobras, a ONG criada pelo grupo, foi o cursinho pré-vestibular Pererê-Pererê que serviu de base para o trabalho de conclusão do curso. “Tínhamos certeza de que iríamos aprovar uma centena de jovens no vestibular da Universidade de São Paulo (USP), já no primeiro ano”, recorda. “Quebramos a cara.”
Em meio à decepção inicial, Vicente e seus parceiros viram que, pelos “meios convencionais”, seria impossível imprimir o ritmo de mudanças de forma substantiva e na velocidade que a comunidade afrobrasileira precisava. Foi aí que surgiu a ideia de montar a Faculdade Zumbi dos Palmares, inspirada nas Universidades e Instituições Comunitárias de Ensino Superior Historicamente Negras (HBCU, da sigla em inglês). A primeira do gênero, a Universidade Howard, surgiu em Washington, em 1866, logo após a Guerra Civil Americana. “Enquanto, hoje, boa parte dos negros brasileiros são os primeiros integrantes de suas famílias a ingressar no ensino superior, nos EUA eles já contam histórias da época que seus bisavôs entraram na faculdade”, diz. A Afrobras também criou uma série de iniciativas socioculturais destinadas a ampliar e promover a visibilidade dos afrodescendentes. Foi assim que nasceu o Troféu Raça Negra e a Flink Sampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra de São Paulo.
Em 11 anos já passaram pela universidade mais de dois mil jovens em cursos como administração, direito, pedagogia, publicidade e logística de transportes. A primeira turma, formada em administração, teve como paraninfo ninguém menos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e até a então poderosíssima Hillary Clinton, secretária de estado dos EUA, fazem parte da lista de paraninfos e apoiadores da causa. Eles são o que o reitor Vicente chama de “negros de todas as cores” – pessoas que consideram esta causa como sendo mais brasileira que apenas de um grupo racial.
Neste contexto, não seria exagero dizer que o sucesso da Zumbi dos Palmares é fruto da imensa capacidade de Vicente em construir pontes. A arte de conversar ajudou Vicente a firmar parcerias, transformando a faculdade em uma das que possuem o mais elevado nível de empregabilidade do Brasil. Em menos de 10 anos, mais de mil jovens fizeram estágio em empresas de primeiríssima linha, nacionais e estrangeiras, nas quais os negros, em geral, jamais tiveram acesso. No campo de luta, propriamente dito, a Zumbi também se destacou pela aprovação, por unanimidade dos votos no STF, da constitucionalidade das cotas raciais em universidades e empresas públicas.
É, no pequeno roçado da família, em Marília, não cabiam os sonhos do Zé Vicente.