Rodízio de entrevistas em Maringá

São Paulo, 21 de julho de 2015. Passa das 18h. Enquanto faço um lanche com minha mulher e minha filha, escuto a fatídica pergunta; “Que horas é seu voo, mesmo, hein?” Xiiiii marquinhos! Mais um corre-corre pelas ruas e avenidas da caótica megalópole sul-americana. Sem contar que, dessa vez, não teria como pisar fundo no acelerar porque a prefeitura reduziu o limite de velocidade na marginal Tietê a “via expressa” que dá acesso ao Aeroporto Internacional Franco Montoro, em Cumbica, no município de Guarulhos. Como tempo exíguo para o embarque, eu optei por fazer a barba e deixar para tomar banho quando chegasse ao hotel, em Maringá, no interior do Paraná.

Afinal, não poderia correr riscos nesta penúltima viagem que integra o roteiro do livro “Histórias Inspiradoras – Conheça 50 empreendedores sustentáveis que ajudam a fazer do mundo um lugar melhor”. O Observatório Social de Maringá (OSM), na figura de sua presidente Fábia dos Santos Sacco, foi um dos 20 vencedores do Prêmio Empreendedor Sustentável 2015. Mas todos as 59 histórias publicadas nesta seção no site de 1 Papo Reto estarão no livro. Pois bem. Voltemos à estrada… Apesar dos percalços no trânsito, por conta do excesso de carro no horário do rush e do novo limite de velocidade, cheguei a Cumbica com tempo de folga para fazer uma refeição leve, mas indispensável, pois embarcaria num dos famosos “voos da fome” da GOL.

Maringá surpreende por seu tamanho, afinal a cidade abriga cerca de 400 mil habitantes. E também pelo visual: avenidas largas, asfalto impecável e uma limpeza de dar inveja a inúmeras metrópoles nas quais passei e vivi. Em geral, os maringaenses se orgulham em dizer que, lá, não há favelas – algo raro em se tratando de um país com as desigualdades sociais do Brasil e aonde o déficit habitacional chega a 5,5 milhões de moradias.

Mas a Maringá na qual eu desembarquei pouco antes das 22h30min, além de me surpreender pelos atributos relatados acima, me encantou pelas doses cavalares de cidadania. Graças em boa medida ao trabalho do OSM, uma iniciativas desencadeada a partir da disposição e do esforço de pessoas comuns preocupadas em transformar a “revolta contra tudo isso que está aí” em ações concretas de aperfeiçoamento da cidadania. A ONG Sociedade Eticamente Responsável (SER) surgiu há 10 anos, em meio a um megaescândalo de desvio de verbas públicas, envolvendo uma bolada de R$ 100 milhões. A cidade ganhou espaço nas páginas policiais de jornais e revistas de todo o País, o que acabou gerando um clima de baixo-astral geral na comunidade.

Foto: Barbosa (esq.) e Silva Jr. apoiam o OSMO trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça serviu para colocar os responsáveis na cadeia. Mas o que retornou para os coferes públicos foi menos de 10% do total roubado. Em vez de desistir, alguns maringaenses, por nascimento ou por adoção, que haviam criado a SER decidiram apostar suas fichas na fiscalização do poder público. Foi aí que nasceu o Observatório, cujo trabalho consiste em investigar, diuturnamente, a qualidade dos gastos de gestores públicos dos poderes legislativo e executivo. Há dois anos eles incluíram a Universidade Estadual do Paraná também em seu radar.

Mais que os valorosos prêmios, como o concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU), e o fato de ter se transformado em referência nacional e internacional, o trabalho desenvolvido por um grupo de 11 jovens (entre profissionais recém-graduados e estagiários), além de um verdadeiro exército de voluntários, chama a atenção pela qualidade técnica. Graças a eles deixaram de sair dos cofres públicos R$ 8,6 milhões, apenas em 2014, por conta da vigilância constante de licitações dirigidas ou com erros crassos. Tanto Fábia quanto os demais diretores não recebem um tostão sequer pelo trabalho. Nesta turma de cidadãos-fiscais estão profissionais liberais bem-sucedidos, técnicos aposentados e integrantes da Polícia Federal, do Ministério Público e da Receita Federal. Todos eles doam parte de seu tempo e de seu conhecimento para a causa.

Fábia e sua equipe fizeram questão de me proporcionar uma imersão no universo político-administrativo-social de Maringá. Para isso, Michelle Shimoda, sua assistente, bolou uma agenda que incluiu bate-papos com representantes de alto nível de todas essas esferas. O dia começou com a reunião plenária da SER às 8h, em ponto. Na sequência, me reuni com empresários, gestores públicos, colegas da imprensa e integrantes da Câmara dos Vereadores. Todos ansiosos por me contar as coisas que estão dando certo na cidade.

“Estamos projetando a Maringá de 2047”, diz Marco Tadeu Barbosa, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM). Esta ambição está contida no Master Plan que começou a ser discutido em 2012 e cujos custos são bancados integralmente pelo setor privado. O trabalho foi encomendado a duas consultorias internacionais. “Os estudos e os relatórios serão doados ao poder público.”

Fundada em 1947, pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, comandada por ingleses, Maringá foi construída a partir de dois eixos: avenidas largas que facilitam a circulação e dois parques (Ingá e Pioneiros) que funcionam como os “pulmões” da cidade. Concebida para abrigar 200 mil habitantes, conta hoje com o dobro disso. E a expectativa é que siga crescendo. “Ficamos muito tempo atrás do patamar de desenvolvimento dos demais municípios do Paraná. Contudo, nos últimos anos temos avançado em ritmo chinês, na casa dos 10% ao ano”, explica João Paulo Silva Júnior, superintendente da ACIM.

Bem, depois dessas conversas iniciais decidi ir almoçar, enquanto Fábia e outros dirigentes da OSM faziam uma palestra para um grupo vindo da cidade de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense. Sem pestanejar, a diligente Michelle “intimou” que algumas das meninas me acompanhassem.

Saí com Natália, Patrícia e Fernanda que me avisaram logo de cara. “Escuta, vamos almoçar em um restaurante por quilo. Tudo bem para você?” Fomos a um charmoso local, misto de padoca e restaurante, distante cerca de 600 metros da sede da OSM. Gostei tanto da sugestão que resolvi retribuir a deferência “sequestrando” as comandas das três. Para espanto das meninas! O ato de cavalheirismo me rendeu, duas horas mais tarde, um belo presente: dois postais da cidade e duas caixas de bombons que elas compraram e mandaram embalar de um jeito bem delicado.

De “volta ao batente”, segui para mais uma rodada de entrevistas na sede da ACIM, aonde a SER/OSM ocupa uma sala.

A parceria com a ACIM e o apoio de empresas como Cocamar – Cooperativa Agroindustrial e Sicred, além do suporte da Receita Federal e do Ministério Público conferem um grau expressivo de legitimidade ao trabalho da ONG maringaense. Graças à dedicação de seus integrantes a OSM também se tornou uma referência para a imprensa local. É o que me diz a jornalista Luciana Peña, repórter e apresentadora de um dos programas da afiliada da rádio CBN. “Quando o assunto é fiscalização de gastos públicos sempre recorremos a eles”, conta Luciana, que nasceu em São Paulo, mas que escolheu Maringá para viver. “O trabalho da OSM ajudou a fazer a limpeza ética na Câmara dos Vereadores.”

A fiscalização e a checagem, com lupa, conforme fica evidente na logomarca na camiseta da OSM (peça, aliás, que fiz questão de “pedir para ganhar”), ajudam também os próprios fiscalizados. Que o diga a secretária municipal de Educação Solange Munhoz Lopes, que gentilmente abriu um espaço em sua agenda para conversar com 1 Papo Reto. Com mestrado e doutorado na área de avaliação escolar, Solange me contou que sempre fez questão de estreitar os laços com a OSM. “Eles nos ajudam a melhorar a qualidade do gasto público”, diz. “Antes de lançar uma licitação peço uma avaliação técnica deles, para nos certificarmos de que não deixamos passar nenhum erro.” Um cuidado pra lá de necessário. Afinal, ela lida com um orçamento anual de R$ 250 milhões.

No entanto, nem sempre foi assim. O ex-chefe de gabinete da Prefeitura, ex-presidente da Câmara dos Vereadores e atual vereador Ulisses Maia, lembra que os integrantes da OSM tiveram de “ralar muito” para serem aceitos. Especialmente pelo poder público. “Ninguém gosta de ter o trabalho contestado”, avalia. “Mesmo que não seja o responsável pelo erro.” Segundo ele, foi graças à ação da OSM (muitas vezes brigando por meio da imprensa, outras tantas acionando o MP e o Tribunal de Contas do Estado), que a imagem e as práticas da Câmara mudaram.

Foto: Solange Munhoz Lopes, secretária de EducaçãoDesde a organização interna, com a redução dos cargos de confiança e a eliminação do nepotismo, até à melhoria dos gastos. Dos de grande aos de menor porte. “Bastou que começássemos a questionar alguns procedimentos para que o pagamento de diárias caísse tremendamente”, exemplifica a presidente da OSM.

Concluídas as apurações, filei mais um café, posei para algumas fotos com os funcionários e dei umas voltas pela cidade. Dessa vez, tinha tempo de sobra. Afinal, o caminho entre o centro da cidade e o acanhado Aeroporto se Maringá seria tranquilo. Com folga na agenda, deu tempo para degustar uma das dezenas de cervejas artesanais produzidas no Paraná e escrever esta crônica.

Próxima parada o bairro de Ponte Pequena, na Zona Norte, onde dá expediente o advogado e educador José Vicente, um dos fundadores da Faculdade Zumbi dos Palmares. Essa história será contada em breve.

Aguarde…