Central de boatos

Sempre tive uma birra danada com a rapidez dos julgamentos. Opiniões emitidas no calor do momento costumam me agastar. Como tenho memória, lembro delas por tempo suficiente para constatar equívocos. Não vou citar casos da “grande imprensa” – esse termo ainda faz sentido? Jornalista tem pressa e errar é risco inerente da profissão.

Penso que essa atividade de julgar o tempo todo sem refletir ficava, até pouco tempo atrás,  restrita a eles, os jornalistas, ou aos comentadores obsessivos dos portais  de notícia. Estes últimos eram experts nessa matéria. Tinham opinião formada publicada em doses diárias em todas as editorias. Ciência, educação, política, economia, meio ambiente.

Talvez eles ainda estejam lá, preenchendo espaço virtual com pitacos sobre o Enem, os royalties, a biodiversidade, as escolas estaduais,  a taxa de juro, a reforma política, o plebiscito.

Com o uso intenso e disseminado das redes sociais, os comentadores dos portais perderam nossa atenção. Aliás, convenhamos, esses caras nunca tiveram essa força toda. Os portais têm restringido o espaço para comentários, e ninguém mais tem paciência de ler a opinião desse povo.

Isso não quer dizer que o povo não esteja dando sua opinião por aí. Vejam o Facebook nos últimos 6 meses –  até antes das manifestações de junho. A força do comentário, raivoso ou nonsense, ganhou muita vida. Democratizamos a liberdade de expressão, certo? Não sei. O problema é que muito do que se fala nas redes é superficial. E essa superficialidade atinge a imagem de pessoas, transformando a saudável emissão de opinião numa sanha acusatória e moralizadora.

Angelina Jolie, Marina Silva e Lobão foram vítimas da louca turba virtual. Lobão falou muita besteira em entrevista para um jornal, mas criticou a Lei Rouanet, que beneficia quem não precisa disso, como medalhões da MPB. Foi atropelado pelos tratores virtuais.

Marina foi infeliz ao dizer que o deputado Marco Feliciano estava sendo atacado por preconceito contra evangélicos. Mas tem toda razão ao lembrar do preconceito contra os evangélicos. Foi massacrada pela turma do “ah, eu já sabia que ela era isso e aquilo”.

Por fim, Angelina dividiu opiniões ao escrever em um jornal que fez mastectomia. Algumas, para o meu espanto, certas de estarem falando a verdade derradeira sobre o procedimento radical cirúrgico.

Com as manifestações de junho,  ficou impossível monitorar o grau de bobagens, boatos e ataques pessoais nas redes sociais. Elas viraram palco para disputas medievais, os coxinhas versus os de esquerda. Foi aberta a central dos boatos. Nunca li tanta besteira. Algumas sobre o próprio Facebook, outras misturadas ao noticiário real, que nos disse que somos espionados o tempo todo por agências norte-americanas.

Veja sua timeline a qualquer hora do dia para checar essa verdade inconveniente: a opinião pública tem se formado com a rapidez dos adolescentes que inventam hashtags. Bom senso passa longe desse comportamento de massa, e pessoas ponderadas, cultivadas anos na leitura e reflexão, caem nessa armadilha.

O problema é que essa superficialidade não é apenas irritante. Ela está ficando ameaçadora. Fica difícil dizer “peraí, gente, não é bem assim”. Você vira o antidemocrático, o do contra. Se o critério para consolidar se uma afirmação é verdadeira ou não é o número de “curtir”, não pode haver democracia ou liberdade nisso.

Ok, estamos engatinhando nas redes sociais e tentando nos acostumar a uma transição entre o passado, em que confiávamos em poucos cânones do jornalismo, e a multiplicação de emissores de informação. Também sei que há um Marco Civil da Internet em trâmite no Congresso.

Mesmo assim, enquanto a transição é feita, recomendo um bocado de cuidado. Façam como o Álvaro, meu professor de História da 6ª-série, que sempre dizia antes que comentássemos qualquer coisa na sala: “Pare e pense”. E pense mais um pouquinho, antes de usar o teclado.