Uma noite de campanha, em SP (2º ato)

Passa um pouco das 18h de sábado (27/8) quando Luiza Erundina de Sousa adentra no acanhado, porém bastante arrumado, salão da Pastoral Arquediocesana do Povo da Rua, no bairro da Luz, região central de São Paulo. Vestida de maneira sóbria (calça de linho na cor branca e uma blusa de manga curta com estampas em azul escuro), levemente maquiada e com os óculos que se tornaram sua marca registrada, ela chega sozinha ao local. Atravessa os cerca de 20 metros entre a porta principal e o palco e, mesmo com sua baixa estatura, parece uma gigante.

Durante o percurso, é saudada efusivamente pelos cerca de 100 militantes do PSOL que desde cedo lotam o auditório. Todos de pé. Entre aplausos e cânticos alusivos à campanha, pipocam os indefectíveis gritos de “Fora Temer”. A plateia, bastante diversa, inclui jovens universitários, ativistas do movimento negro, feministas e filhos de imigrantes de diversos países do continente que aportaram na cidade ao longo da última década. Também há algumas crianças.

Mas quem chama mesmo a atenção são a dona Dora, a dona Dulce e a dona Valdete, senhoras apresentadas como moradoras de bairros do “fundão da Zona Leste” e integrantes de alguns dos mutirões de construção de casas populares, ocorridos na gestão Erundina (1989-1992). Enfim, o clima é de um encontro de amigos, uma verdadeira festa.

Erundina chega a este compromisso de campanha convidada pelo ativista Douglas Belchior. Graduado em história e mestrando em ciências humanas e sociais, ele integra a ala afro-brasileira do PSOL. Famoso nas redes sociais e nos movimentos de base, o militante é um dos fundadores do cursinho popular Uneafro – uma dissidência do Educafro, criado pelo Frei Davi. Douglas é um dos candidatos à Câmara dos Vereadores pelo partido que tem uma chapa “puro-sangue”, com o deputado federal Ivan Valente como vice.

Após anunciar a presença da candidata do PSOL à prefeitura de SP, Belchior pede que ela se acomode em uma das cadeiras do palco. Erundina ouve atentamente as palavras do anfitrião. Só desvia o olhar para acenar discretamente para os muitos conhecidos que divisa na plateia. Apesar de contar com uma audiência favorável, que às vezes se comporta como fã de um astro de rock, ela imprime um tom solene à fala, que começa às 18h25min.

Relembra sua trajetória nas comunidades de base e alguns dos percalços que viveu ao longo de sua primeira, e vitoriosa, candidatura à prefeitura da capital de São Paulo. “Os desafios foram acentuados pelo fato de eu ser mulher, nordestina e integrar um partido de esquerda”, destaca. Revela que chegava a receber cartas postadas com fezes dentro, enviadas por paulistanos contrários à sua gestão. “Vejam vocês a que nível chegou o preconceito e a discriminação!”, falou em tom firme, mas sem perder a ternura que lhe caracterizou desde o início da carreira, quando era mais conhecida como Luiza, pelos militantes.

Erundina está em seu habitat. De microfone em punho, ela deixa claro que o momento é delicado para o que chama de forças populares e progressistas. “A eleição de 2016 não será um pleito qualquer, mas sim uma disputa pelo poder”, destaca. “Estamos em meio a uma transição dolorosa e cinzenta, que gera incertezas, mas que, ao mesmo tempo, pode dar origem a um novo mundo”.

Democracia radical

Apesar de o cenário político nacional ocupar boa parte de sua fala, de cerca de 45 minutos, Erundina não perde de vista o pleito municipal. Aliás, vai entremeando no estilo causa-consequência seus planos para a cidade com o que acontece no quadro nacional. Sua ambição, caso seja eleita, é colocar São Paulo na liderança de um processo de contestação do federalismo capenga que vigora no Brasil.

“O prefeito de São Paulo não pode ser apenas um administrador, mas antes de tudo um agente político”, disse. “Vamos falar grosso com o governo federal e, ao lado do povo, exigir medidas no campo social.” E emendou com uma promessa: “Da minha parte, garanto que não pagarei a dívida pública da cidade a custa dos sacrifício dos mais pobres”. Foi a senha para que os militantes explodissem em aplausos e cânticos alusivos à campanha. É claro que o “Fora Temer” também se fez ouvir, novamente.

Também promete inverter as prioridades dos investimentos públicos, privilegiando os bairros mais pobres. “Quero sair da prefeitura mandando menos do que quando entrei”, disse. Para isso, pretende colocar os administradores regionais à frente do processo. “Eles serão escolhidos pela população a partir de uma lista tríplice e terão dinheiro nas mãos e poder para agir.”

Um detalhe curioso em toda a fala de Erundina é o fato de ela não citar os demais candidatos, mesmo no caso do atual prefeito, Fernando Haddad (PT), cuja administração ela critica. A exceção é o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que teria sido o artífice da lei que alijou dos debates partidos com menos de nove representantes na Câmara dos Deputados. É aí que um rapaz barbudo de cerca de 30 anos aproveita para lançar o brado “Fora Cunha!”, no que foi seguido pelos demais.

Erundina vai em frente e elogia a disposição para a luta de seus correligionários que denunciaram a lei no Supremo Tribunal Eleitoral (STF). “Conseguimos mostrar que este dispositivo é antidemocrático”, destaca, referindo-se à liminar que deu às emissoras de TV a possibilidade de decidir pela inclusão dos candidatos nos debates. “Na semana que vem já estarei no SPTV.”

A candidata do PSOL espera que com o acesso aos debates na TV consiga levar sua mensagem aos rincões da cidade e “contagiar” os jovens do chamado campo progressista que não têm um recall sobre o que foi a sua gestão.

Ao término do discurso, mais cantoria, sessão improvisada de fotos com candidatos a vereador e até à prefeitura de cidades que fazem fronteira com São Paulo. O trio formado por dona Dora, dona Dulce e dona Valdete era um dos mais animados na tietagem e nos afagos. Definitivamente, Erundina estava entre os seus.

Leia o texto sobre Haddad, aqui