Por Carolina Stanisci
Estamos no bairro da Liberdade, o mais japonês da capital paulista. Mas a saída da Estação do Metrô é tipicamente brasileira. Tem comércio de açaí, pão de queijo, tapioca e pessoas oferecendo serviços de advocacia trabalhista. É uma manhã nublada e abafada de quarta-feira, 14/9. Parece que vai chover, mas não chove. O refrão “1, 2, 3, é Marta outra vez” ecoa na rua Galvão Bueno incontáveis vezes. Vem dos carros de som que trafegam pela via e dos gritos dos cabos eleitorais que fazem questão de repetir as palavras de ordem para eleger, de novo, Marta Suplicy prefeita de São Paulo. Desta vez, porém, há um detalhe fundamental que não é percebido por todos os paulistanos: Marta disputa como candidata do PMDB.
A caminhada pelo bairro que cresceu com a imigração japonesa está marcada para as 10 da manhã. Neste horário já há pelo menos uns 40 assessores com folhetos nas mãos. Neles, figura a candidata em sua versão paz e amor. Vestida com blusa verde, com um sorriso que esbanja serenidade. No papel, um grande “M” multicolorido vem acima do número de Marta, o 15. Ela chegou de mansinho neste pleito; pedindo desculpas, tanto nos debates como na propaganda na TV, em relação às taxas. O objetivo é se descolar da imagem da “Martaxa”, do bordão “Dona Marta do PT” e do discurso do “nós contra eles”.
Mas, em política, nada é fruto do acaso. Em uma campanha, então, tudo é milimetricamente calculado. Duvida? Às 10h45, quando, enfim, chega a candidata pode-se ver que a Marta da coligação União por São Paulo (PMDB-PSD) é quase idêntica à figura estampada no folheto. Trajada com uma blusa verde Lacoste e calça jeans escura, unhas pintadas de rosa bem claro e uma maquiagem leve no rosto. Ela não usa brincos, tampouco colares ou pulseiras, apenas uma aliança discreta ao lado de um anel com brilhantes, mais discreto ainda. No pulso, um relógio.
Os jornalistas a seguem pelas ruas do bairro. A primeira parada de Marta é numa lanchonete onde se senta para trocar ideias com um repórter de ascendência japonesa, que trabalha em um portal de notícias baseado na Liberdade. Andrea Matarazzo, o vice, não veio. Ao lado da candidata estão dois representantes da colônia nipônica: Hirofumi Ikezaki, um dos comerciantes mais importantes da região, e o candidato a vereador pelo PSD Victor Kobayashi, filho e herdeiro político de Paulo Kobayashi (1946-2005), um dos fundadores do PSDB. “O sr. Hirofumi está apenas a acompanhando, pois é uma liderança importante aqui do bairro”, explica Kobayashi.
Enquanto os flashes da máquinas dos fotógrafos de jornais e de sites disparam, Marta não perde a concentração e fala amenidades sobre o bairro. Não se ouve o que o repórter do portal da Liberdade pergunta, mas a senadora e ex-ministra do Turismo e da Cultura responde coisas como: “Este bairro é cosmopolita” e “Aprendi muitas coisas e abri a cabeça depois de ser ministra do Turismo”.
Mas basta uma câmera de televisão ser ligada para que seus olhos azuis, treinados para o mundo político e a TV, divisem na direção correta. Sem titubear. Após cinco minutos de conversa, Marta quer partir para o corpo-a-corpo. Alguns transeuntes estão por ali por mero acaso, como as vizinhas Maria Tereza Figueiredo Tondato e Maria Margarida Freitas, a “Gai”, que carrega uma cadelinha no colo. “Vim comprar frutas para dar para minha cachorra. Nem ela gosta do PT, quer ver? Ela vai latir”, diz Gai, que trabalha como instrumentadora cirúrgica. No caminho, encontraram um dos vizinhos de prédio que participa da campanha da chapa União por São Paulo. “Ele é amigo do Andrea (Matarazzo, vice de Marta). O Andrea já falou muitas vezes lá no nosso prédio, como vereador”, conta Maria Tereza.
Curioso notar que, apesar do cuidado em descolar sua candidatura de qualquer traço petista, Marta Suplicy ainda é muito associada ao Partido dos Trabalhadores. “A Marta vai ser igual à Dilma na vida da gente”, diz Maria Margarida. Em uma loja de produtos de decoração e quinquilharias em geral, Marta é recebida pelas recepcionistas com sorrisos. Mas Angela da Silva, que ganha a vida como administradora de empresas, torce o nariz ao ver a candidata. “Ela ainda usa o sobrenome do ex-marido”, reclama. Mas ela já era conhecida, não era? Não era apresentadora de TV? “Ninguém sabia quem ela era antes.”
Do lado de fora, os transeuntes se interessam pela movimentação. Com seu visual de eterna Barbie, Marta mais parece uma artista de TV. Alguns chegam bem perto para conferir e pedem para fazer selfies com ela. Até mesmo aqueles que, confessadamente, não votam na candidata do PMDB-PSD. Uma comerciante vê a agitação dos jornalistas e pergunta: “Ela chegou?”, para logo em seguida declarar o voto em Celso Russomano (PP). “Não voto aqui, mas se votasse, seria nele. Ele ajuda os consumidores”, resume.
Marta continua a caminhada seguida de perto por cabos eleitorais, envolta pelas bandeiras com seu nome e embalada pelos puxadores do refrão “1, 2, 3…”. Vai cumprimentando os comerciantes, até entrar em outra loja onde há muitas Darumas, aqueles bonecos redondos e vermelhos feitos de madeira. Supostamente, eles dão sorte a quem pinta um dos olhos e faz pedidos – depois de concedido o desejo, a pessoa deve voltar ao local para pintar o outro olho.
“Marta, pinta o olho direito. Quer dizer, o esquerdo”, propõe o candidato à Câmara Municipal Victor Kobayashi. Ela se deleita: escreve seu nome na base do Daruma, junto com o número da candidatura, pinta o olho esquerdo e posa para muitos cliques. “Marta, você vai voltar aqui para pintar o outro olho!”, alguém berra.
Na saída, uma senhora idosa lhe pede uma selfie, e é prontamente atendida em seu desejo. Dona Dirce Simões tem 70 anos, é aposentada e mora na Zona Leste. Estava ali, acompanhada do filho, para uma consulta médica. “Gosto muito dela, sempre gostei. É uma mulher de fibra”, explica, emocionada com o encontro. 1 Papo Reto revela as críticas à Marta e ao PT feitas por outros eleitores, e ela pondera: “A vida da pessoa é uma coisa e outra coisa é a vida política.” Já o filho de dona Dirce pensa diferente: “Não voto no PT, nunca votei.” Mas ela não saiu do PT? “É… mas ainda é meio petista.”
Próximo à Estação Liberdade do Metrô, Marta para na calçada. Vai responder às perguntas dos jornalistas. O portal de notícias 1 Papo Reto quer saber o que Marta fará com o Parque dos Búfalos* caso seja eleita. Ela é protocolar e cuidadosa. “Vou estudar a situação jurídica”, diz. Ao mesmo tempo, deixa claro que achou um absurdo a construção do Residencial Espanha em área com 14 nascentes ter sido aprovada pela Cetesb. Ao ser indagada se vai suspender a construção, capitula: “Acho que não dá, tem todas as licenças.”
Numa das poucas horas em que parece sair do script combinado com assessores, ela ri da pergunta de um repórter sobre o jantar para adesões, marcado para a noite de 14/9, ao custo de R$ 7.500. Ele quer saber se o menu valerá tudo isso. “Acho que vai ser bem gostoso”, brinca, mais descontraída. E, na sequência, responde que é necessário cobrir os custos da campanha, que gira entre R$ 10 milhões a R$ 15 milhões.