Se existe um assunto difícil de tratar em período de eleição para prefeito é mobilidade urbana. Tirando algumas honrosas exceções, a maioria só vê ônibus da janela do seu carro. Trem e metrô, então, nem se cair um em cima deles vão saber do que se trata. Então, como é que os candidatos vão propor soluções a respeito de um assunto que conhecem mais em teoria do que na prática? Sim, porque todos gostam de falar das experiências em Nova York, Londres ou Barcelona, como se a mera citação do que foi feito por lá garanta a eles autoridade para abrir a boca sobre os problemas de qualquer cidade brasileira. Mas não é bem assim.
Há um claro distanciamento da realidade dos postulantes às prefeituras de um dos objetos mais importantes para seus eleitores: o transporte de massa. Isso acontece porque entre as aspirações mais comuns das pessoas está o desejo de adquirir sua forma de mobilidade individual, vulgo carro. É símbolo de status e frequentemente quando alguém de destaque, por qualquer razão, toma lugar em um vagão de metrô ou ônibus instantaneamente vira notícia. Deve ter ficado pobre, já comentam, porque é encarado como descer um degrau na escada de valorização social. Assim, nada mais natural quando alguém cresce financeiramente na vida tome distância segura dos transportes de massa.
O resultado desse distanciamento são as propostas naturalmente equivocadas a respeito do transporte de massa. Dou um exemplo fácil: ainda tem gente que acredita que a solução é colocar ar-condicionado – o brioche do transporte urbano – que a massa ficará contente. Pura bobagem.
O conhecimento básico do problema passa por duas vertentes: estudos aprofundados e vivência. No primeiro item vale um pouco de tudo, desde prestigiar o que se produz em termos de conhecimento aqui mesmo no Brasil até trazer experiências de fora que devem ser utilizadas como referência. Afinal, se fosse para colar o que se vê por lá, já imaginou quanto custaria ter um metrô no nível do de Moscou? (Se não sabe do que estou falando dá uma pesquisada e veja o que é luxo subterrâneo).
Já o segundo item – vivência – significa sem tirar nem por embarcar no transporte de massa. A vantagem no processo de aquisição desse conhecimento é que, diferente de outras questões, como consumo de crack, por exemplo, a vivência no transporte de massa do ponto de vista do usuário pode ser feita sem infringir a lei. Será necessariamente desconfortável nos horários do rush, claro, mas vale a pena por representar a oportunidade única de viver o problema alheio, ou seja, do distinto eleitorado a quem eles pedem votos e mais tarde, caso ganhem, obediência às taxas que serão cobradas para sustento deles e de toda a máquina administrativa.
Muito se fala em melhorar o conforto do transporte de massa. Curiosamente, isso já foi resolvido quando o quesito são os veículos. Ônibus e vagões de metrô e trem foram gradativamente se tornando menos agressivos com seus passageiros e modelos com ar-condicionado e suspensão a ar estão cada vez mais comuns. Sem exagero, em várias cidades brasileiras o cidadão já pode viajar em veículos realmente modernos. Portanto, esse tipo de conforto – o brioche do transporte urbano – não é a demanda da população.
Conforto para quem anda de transporte urbano é outra coisa.
Deslocamentos de grandes volumes de pessoas
Em resumo, trata-se da capacidade de ir e vir sem ter de passar pela desagradável experiência de ser compactado com outras pessoas. A solução seriam mais veículos? Sim, para algumas regiões, não para o deslocamento dos grandes volumes de pessoas. Acredito que a solução passa por inteligência nas rotinas de trabalho.
Será mesmo que a maior parte da população de uma cidade precisa se deslocar ao mesmo tempo e no mesmo sentido de segunda a sexta? O que representaria uma alteração de meia hora por exemplo nos relógios de ponto de parte dessa massa? E se as aulas nas universidades não começassem todas ao mesmo tempo?
Se você tiver o azar de cair na malha de transporte urbano na hora do rush, mas tiver a sorte de dispor de algum tempo, faça a experiência: fique no local de embarque por meia hora e observe como naturalmente há uma redução na maré humana. Isso é resultado da elevada concentração de gente no mesmo horário. Uma redistribuição poderia tornar melhor as viagens cotidianas no transporte urbano. Ir em pé mas sem estar indecorosamente grudado em outra pessoa é aceitável. Em resumo, trata-se de uma medida barata porque não implicaria em compra de veículos ou construção de infraestrutura.
Em qual estudo me baseio para dar esse palpite? Em nenhum, somente na experiência prática de usuário do transporte urbano em todos os modais oferecidos. E se considerar que tenho mais quilômetros rodados em transporte público do que todos os candidatos a prefeito de qualquer cidade brasileira, somado ao fato que não sou postulante a cargo algum, meu palpite de cidadão ganha mais peso. Pelo menos para mim.
Fernando Neves é jornalista e sócio da Argonautas Comunicação & Design