De quem é esse lixo?

Os cientistas divergem em relação ao número. Mas todos concordam ao menos num ponto: boa parte do lixo deixado nas praias ou descartado irregularmente nas ruas e parques das cidades está indo para o mar. A estimativa é que, apenas no caso dos plásticos, nada menos que 950 milhões de toneladas serão despejados nos oceanos e mares, até 2050. Diante disso, surge a seguinte dúvida: será que vai chegar um dia no qual teremos no mar mais lixo do que peixes e crustáceos?

Este tipo de questionamento ronda a cabeça de ambientalistas ligados a ONGs globais e também daqueles que, simplesmente, arregaçam as mangas e tentam resolver o problema da poluição. Nem que seja por meio de ações autorais ao estilo “formiguinha”. É neste último grupo que desponta a fotógrafa catarinense, Viviane Rodrigues. À frente do projeto Praia Feelings ela vem percorrendo o litoral para clicar cenários deslumbrantes. A ação começou no verão 2013/2014 e foi concebida para ser uma exposição fotográfica da praia em dois momentos marcantes: pela manhã e no final da tarde. “Acabei me deparando com uma quantidade absurda de lixo e resolvi começar a recolher”, conta Viviane.

Mais do que apenas prestar um serviço ambiental voluntário à comunidade as praias da região Sul do Brasil, a fotógrafa radicada em Curitiba decidiu transformar sua indignação em algo propositivo. Foi a partir daí que passou a procurar as empresas, mostrando que suas marcas estavam poluindo a natureza. Trata-se de um trabalho que vem sendo reconhecido e ajudando a chamar a atenção para a sujeira das praias do litoral Sul. “Mais que denunciar, meu objetivo é ajudar na educação ambiental”, diz ela.

A seguir, os principais trechos da entrevista que Viviane concedeu a 1 Papo Reto:

Quando que você decidiu iniciar o projeto de fotografias da praia, levando-se em conta o lixo descartado irregularmente? Qual foi a motivação?
Eu vinha recolhendo lixo nos últimos três verões. É insuportável ver a quantidade de quinquilharia que as pessoas deixam nas areias. Sou do litoral de Santa Catarina e embora resida em Curitiba, sou muito mais feliz quando estou na praia, então, como não contribuir – quase que simbolicamente – diante do grau de agressão que um ecossistema tão espetacular sofre. O mínimo que eu poderia fazer era recolher. O mínimo que as empresas podem fazer é se responsabilizar pela educação do seu cliente. Foi assim que eu pensei no projeto. Recolho, fotografo, envio para as empresas com a “sugestão” de que façam campanhas de educação ambiental

Qual o principal tipo de lixo você encontra com mais frequência?
Muito, muito, muito plástico. Eu diria 80% se resumem a garrafas PET, copos e embalagens. Mas tem também tudo o mais que você puder imaginar; desde absorventes íntimos a fraldas descartáveis, seringas, vidros de remédio, bolsas, malas, sacolas, jornais, revistas, flyers, pacotes de cigarro, latas de cerveja, bitucas de cigarro, garrafas de vinho, bonecas, acessórios de cabelo, roupas infantis, cuecas, calcinhas, material de construção, telhas de zinco, de amianto, etc. Sem contar o micro-lixo emaranhado na restinga, nos abrigos de crustáceos.

A denúncia é importante, mas nem sempre faz com que as coisas andem para frente. Qual tem sido o resultado prático deste trabalho?
Sim, eu mando um e-mail para o SAC das empresas e mensagens para as páginas no Facebook. Para algumas eu embalo o objeto, geralmente latinhas de cerveja, de refrigerante e embalagens de biscoitos, balas, preservativos, e envio para a sede da empresa para ver se as empresas se tocam e agem com mais profissionalismo e também arcam com a parte que lhes cabe deste retrato feio em que vem se transformando nosso litoral mais frequentado. Também pedi, no Tumblr do projeto, que as pessoas contribuíssem identificando algumas marcas pelo design porque muitos produtos eu não reconheço, no entanto, não tive muito retorno. O problema, Rosenildo, é a dedicação. Por conta disso, em breve lançarei um projeto mais organizado que também vai se debruçar sobre a educação ambiental.

Projetos deste tipo sempre envolvem o desembolso de recursos. Quem é que banca estas iniciativas?
No último verão, eu usei meu 13º salário para bancar os custos de transporte. Também atuei apenas com meus equipamentos e os emprestados por minha irmã. Desde então venho estudando as ferramentas que possam viabilizar o Projeto Viajeiras (www.viageiras.com), de documentação e geração conteúdo empático a ser realizado por meio de patrocínio de empresas e de crowdfunding.

Em síntese, este projeto vai confluir algumas questões e ações que guiaram minhas atividades acadêmicas e posicionamentos sociais ao longo dos anos: o empoderamento feminino, o respeito à diversidade, a empatia e a consciência ambiental. O projeto pode ser resumido assim: duas mulheres (professoras, artistas, produtoras de conteúdo multiplataforma: textual e audiovisual para web) em viagem pela América Latina e Brasil, começando pelo Uruguai.

A fotografia tem sido, ao longo da história, uma importante aliada para ajudar a denunciar mazelas sociais: guerras, fome, trabalho escravo etc. Você acredita que seus registros podem auxiliar a mudar a situação da poluição nas praias?
Eu anseio por dizer que sim, mas o impacto que a fotografia tem na contemporaneidade é muito diferente da década de 70, da guerra do Vietnã, por exemplo. A tecnologia foi fecunda e radicalizou-se ao simplificar-se. A gente vive imageticamente e a corporificação e exibição do nosso exercício da individualidade, essa publicização do eu e de tudo fez a imagem se tornar opaca, perder o viço. Ainda mais se pensarmos nas potências de manipulação… A perda do “real”, da noção de verdadeiro – embora antes também houvesse manipulação, ela possuía uma limitação. Isso sem mencionar que, acima de tudo, a noção de real é variada. Então, eu acho que para impactar é preciso de um trabalho multiplataforma mesmo, na web, consistente e constante, ancorado, sim, no mar de imagens e conteúdos da rede, mais que seja mais constante e estimulante que a imagem fixa.

Você se definiria como otimista em relação à melhoria na conservação e sustentabilidade de praias e oceanos?
Eu preciso ser. Precisamos ser. E há motivo para isso. Nas minhas caminhadas, quando eu fotografava, ensacava e voltava a fotografar, muita gente me parava para conversar, me deu um sorriso de presente; explicou para a filha de cinco anos o que eu fazia ali; se indignou com a falta de consciência ambiental dos brasileiros;  me contaram de outras viagens a santuários naturais etc. Muita gente. Ou seja, existe consciência, sim. Existe gente simpática à ideia e existem aqueles que ainda precisam despertar para a questão. Eu acredito firmemente que a saída é a educação, a conscientização. É preciso partilhar o compromisso, mas com alegria.