Em defesa dos povos originais

Numa semana na qual os povos tradicionais do Brasil, como quilombolas e indígenas, são ofendidos em sua dignidade, cresce em relevância o trabalho da ONG Movimento Nación Pachamama. O grupo, baseado em Pelotas (RS) reúne voluntários de toda a América Latina, num importante trabalho de auxílio à preservação do povo Q’eros.

Para escapar do extermínio promovido pelos colonizadores espanhóis, os integrantes desta tribo se refugiram na porção peruana da Cordilheira dos Andes, a 4,2 mil metros acima do nível do mar.

Contudo, até hoje os remanescentes deste povo travam uma grande luta para sobreviver. Uma das maiores ameaças é a fuga dos jovens para as grandes cidades. Uma ameaça real para um grupo composto de 600 indivíduos, reunidos em 250 famílias, de acordo com Rama Bastos líder da ONG brasileira.

Por conta disso, os integrantes da ONG realizam missões humanitárias na região. A sexta expedição acontece entre os dias 10 e 17 de março, e reunirá um grupo composto por ativistas de inúmeros países da região, além do Senegal e da Austrália. O objetivo é implementar melhorias na geração de renda, por meio da agricultura e da produção de salmão, peixe que tem um elevado valor comercial.

Nesta entrevista a 1 Papo Reto, Bastos fala um pouco da história do Movimento e conta o que está previsto para acontecer na sexta expedição.

O que motivou a criação desta entidade no Sul do Brasil?

A Mística Andina, que deu origem ao movimento Nación Pachamama, iniciou em Pelotas pela reunião de amigos e companheiros e se expandiu para várias regiões do Brasil e da Argentina. Acreditamos que a espiritualidade não pode estar alheia à sociedade em que vivemos, por isso sempre instigamos o ativismo sagrado. Das nossas ações comunitárias nasceu a ONG Pachamama, para ser o braço jurídico e institucional do movimento.

Somos um coletivo de sonhadores, ou melhor, uma Ayllu (família, em quechua) que trabalha para ajudar a difundir a consciência Pachamama (consciência de que a Terra é um organismo vivo, uma mãe), criando uma rede de serviços, trocas entre culturas, sensibilidade e conexões.

Nossos projetos visam despertar a solidariedade à vida, enxergando a terra como um organismo vivo, sem fronteiras ou divisões. Por isso, concentram-se em áreas distintas, mas com uma grande base em comum: a semeadura da consciência da vida, que chamamos Nación Pachamama.

Como este trabalho tem sido financiado?

Todas as missões foram financiadas de maneira coletiva e colaborativa. Para isso, são organizados eventos culturais, rifas, feiras, cursos e oficinas com a finalidade de arrecadar fundos, além das doações privadas.

Quais são os impactos esperados com a fazenda de criação de peixes, no tocante à sustentabilidade econômica e alimentar desta população?

A alta montanha, com suas águas geladas e puras é uma região propícia para o crescimento de trutas, que são semeadas há mais de uma década e estão presentes em todos os rios da região. Os representantes do anexo de Chalmachimpana nos acercaram do seu interesse pela criação de trutas. Tanto o desenho como o manejo dos piscinões têm relação com a realidade cotidiana, por isso o uso de tecnologia apropriada é fundamental. O objetivo é melhorar a oferta de proteínas em sua alimentação básica, além de maximizar uma atividade econômica que pode melhorar sua sustentabilidade financeira.

Muitos povos tradicionais têm sido expostos à “civilização” de forma bastante torta. Quer seja pela catequese religiosa ou por um processo de abertura indiscriminada da região. Vocês monitoram estes efeitos colaterais destas atividades?

Nossa relação com o Povo Q´eros tem mais de 20 anos, ainda que o projeto em sua forma atual aconteça apenas há seis. Fomos testemunhas de muitas injustiças e inconsciências de organizações e pessoas bem-intencionadas e não tão bem-intencionadas. Vimos a influência de religiões evangelistas ajudando, mas determinando esta ajuda à mudança de sua cosmovisão. ONGs que são fachadas de empresas de mineração tentando determinar zonas de interesses, além de organizações importantes que prometem uma ajuda que nunca chegou.

Temos com eles um vínculo de carinho e fraternidade antes de tudo. É essa intimidade fertilizada pelos anos de convivência que nos permite sentar juntos e compartilhar as diversas situações que se apresentam e as maneiras de atuar frente a elas. Não nos vemos como uma organização humanitária na perspectiva clássica, as sim um grupo de amigos que tem um sentimento de irmandade real, sustentado ao longo de anos, e que reconhecem a importância da cultura Q´eros para todos os povos do mundo, e tenta ajudá-los a tomar decisões que valorizem sua maneira de conviver com a natureza.

Existe algum grupo organizado de pressão no Peru defendendo melhorias para este povo? Afinal, eles têm de ser relevantes também para seus compatriotas, não é?

Todos estes anos vimos grupos interessados pela tradição Q´eros, mas não conhecemos organizações de pressão que tenham impacto real na melhoria da vida deles. Vimos secretarias governamentais que passaram pela zona onde eles vivem, prometendo instalações solares, posto de saúde, melhorias nas casas, mas que até agora nada cumpriram.

Qual a proporção de jovens na comunidade e qual tem sido a taxa média de natalidade nos últimos 10 anos?

Como muitos povos originários em todo o mundo, a proporção de jovens é muito alta, cerca de 50% do total. Chegar à velhice nas condições em que vivem é pouco provável, seja por falta de nutrição, pelo efeito natural da altitude ou pela falta de acesso a serviços de saúde adequados. O posto de saúde mais próximo fica a uns 30 km em caminho montanhoso! Apesar de o dado não ser preciso, a taxa de natalidade é alta e somou 40 cada mil habitantes nos últimos 10 anos.

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Sobre a Nação Pachamama