Enviado especial a Miami*
O número é avassalador: em 25 anos, 47% das profissões irão desaparecer. O vaticínio faz parte de estudo elaborado por pesquisadores da Universidade Oxford e mostra que o impacto será devastador tanto para integrantes de áreas básicas (jardineiros e motoristas) quanto para carreiras altamente especializadas (direito e medicina). Muitas das atividades nestas áreas serão exercidas por aplicativos ou robôs. Há quem enxergue essa questão como uma oportunidade, em vez de um problema. “Se muitas profissões irão desaparecer, também é certo que outras tantas irão surgir”, diz o presidente da Junior Achievement Americas (JA Americas), Leo Martellotto. “E é neste novo mundo que estamos focando nossas apostas”.
É com essa visão otimista que o executivo de uma das mais longevas ONGs do mundo recebe a reportagem de 1 Papo Reto, no sofisticado hotel Mandarim Oriental, na ilha de Brickell Key, em Miami. Fundada em 1919 por três empreendedores americanos: Horace Moses e Winthrop Crane (do ramo de papel) e Theodore Newton Vail (da área de tecnologia), a ONG se notabilizou por seus programas focados em empreendedorismo, cidadania e educação para o trabalho voltados para crianças e jovens. A lista de ex-alunos inclui o próprio Martellotto, beneficiado na adolescência por dinâmicas ministradas por alguns dos 34 mil profissionais-voluntários das 1.991 empresas parceiras.
Hoje, na posição de executivo da divisão Americas, ele se vê diante de um cenário muito parecido com o vivido pelos patriarcas. Na época, o grande desafio era a transição de uma economia agrícola para a era industrial. Agora, o quadro não é menos complexo, tampouco menos desafiante. “Vivemos um contexto no qual o impacto das tecnologias no mercado de trabalho tem sido tão rápido e tão expressivo que fica difícil acompanhar”, avalia.
Neste contexto, tão ou mais importante que o domínio das ferramentas da Tecnologia da Informação (TI) é a obtenção de soft skills. Trata-se de aspectos comportamentais que podem ser traduzidos como resiliência, capacidade de se adaptar a ambientes diversos e de atuar em grupos, além de uma mentalidade empreendedora. “A partir do domínio dessas competências, os jovens estarão preparados para pleitear um dos 500 mil postos de trabalho que irão surgir, nos próximos 3 anos, em profissões que ainda nem existem”, destaca o presidente da ONG.
Primeiro Desemprego
O foco nos jovens se deve ao fato de que, historicamente, este contingente continua sendo a parte mais frágil do mercado de trabalho. Pelas contas das JA Americas, existem 32 milhões de jovens que não estudam nem trabalham, do Canadá ao Chile. São os chamados Nem-Nem. Por outro lado, 50% das empresas da região têm alguma dificuldade para conseguir mão de obra qualificada.
No Brasil, em particular, a taxa de desemprego na faixa etária de 18 a 24 anos segue de forma persistente num patamar 100% acima do número geral. Em 2018, o índice de desocupação geral fechou em 11,6%, atingindo a marca de 25,2% entre os jovens.
Por conta da dificuldade de inserção no mercado, a ONG também tem como um de seus pilares o desenvolvimento da veia empreendedora. E isso é feito em diversos programas, entre os quais o Miniempresa, dinâmica que envolve uma experiência prática no mundo empresarial. No Brasil, esta atividade é voltada para estudantes do ensino médio. “Queremos que nossos jovens aprendam a ser donos de seu próprio destino”, diz o vice-chairman da JA Americas, Claudio Maruzábal.
Presidente da SAP Latinoamérica, Maruzábal discorre sobre o Latin Code Week, o programa que considera a menina-dos-olhos da empresa no âmbito da parceria com a JA Americas. “É uma iniciativa fantástica porque a partir de projetos focados na resolução de questões sociais, nós colocamos os jovens em contato com a tecnologia e os ajudamos a desenvolver soft skills”, explica.
A base do trabalho são os softwares desenvolvidos pela gigante alemã da área de gestão. Desde 2016, três mil estudantes já participaram do Latin Code Week. No ano passado, o projeto vencedor foi concebido por jovens da problemática Venezuela.
O CEO da JA Americas se apressa em dizer que o trabalho da ONG não substitui o papel da família e da escola. “Nossa atuação é complementar”, resume.
* O jornalista viajou a convite da Junior Achievement Americas