À procura de reis

Quando comecei a escrever este texto, o contador da página www.kilombu.com indicava que faltava 01 dia, 07 horas, 14 minutos e 42 segundos, digo 41 segundos, digo 40 segundos…. para o lançamento do Kilombu. Trata-se de um aplicativo para celular que chega ao mercado cercado de expectativas e muitas, mas muitas esperanças! Especialmente para “as tiazinhas” que tocam pequenos comércios nas favelas e bairros de baixa renda da região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Essa, é bem verdade, é uma forma limitada de descrever o trabalho da gaúcha Kizzy Terra, 23 anos, do pernambucano Hallison Paz, 24 anos (graduados em Engenharia pelo Instituto Militar de Engenharia) e do fluminense Vitor Coff Del Rey, de 31 anos, estudante de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio. “O Kilombu é um conceito muito amplo que extrapola o universo do aplicativo”, diz Vitor, em entrevista por telefone a 1 Papo Reto.

De fato. Mais do que ajudar a dar visibilidade ao trabalho já realizado por empreendedores afro-brasileiros situados na periferia, o trio tem como meta estruturar uma ampla plataforma de negócios e de qualificação profissional. “A ideia é englobar desde a senhora que vende cosméticos da Natura até o dono de uma empresa de engenharia que trabalha para o setor público”, explica Vitor. “Também não ficaremos confinados a um bairro, uma região da cidade, um Estado ou um país. Nossa ambição é global”, destaca.

Para isso, eles trataram de firmar parcerias estratégicas. A primeira delas foi com a Escola de Negócios da FGV. Outra, que deve ser formalizada nos próximos dias, é com a unidade carioca da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Com isso, os empreendedores associados ao aplicativo terão a chance de receber treinamento nas áreas de gestão e também em marketing. Tudo de graça. “Os cursos não serão obrigatórios e a prioridade será dada àqueles que mostrarem mais dificuldade em fechar negócios ou que tenham uma baixa avaliação por parte dos usuários do aplicativo.”

Aliás, outra peculiaridade deste negócio é a sua rentabilização. Vitor explica que serão os prestadores de serviço integrados ao aplicativo que definirão, a partir de uma pesquisa que está rodando no site, como pretendem remunerar os criadores do app. “Temos diversas hipóteses, inclusive a possibilidade de eles não pagarem. Vamos seguir a que tiver mais votos”, explica.

As opções para fazer caixa (afinal, o Kilombu é uma empresa inserida no mundo capitalista!) são os anúncios tradicionais e também os links patrocinados.

Até agora, os investimentos foram módicos, pois os serviços foram tocados pelos sócios e amigos com habilidades específicas. Para colocar a plataforma e o site de pé, o casal Kizzy e Hallison usou os conhecimentos adquiridos no curso de engenharia. Vitor, por sua vez, convenceu um amigo graduado em direito a cuidar da parte jurídica do negócio. “Ele nos cobrou R$ 840, equivalente a duas horas de trabalho, mesmo sabendo que irá gastar mais tempo”, conta o estudante. As despesas fixas mensais estão estimadas em R$ 2 mil, incluindo os serviços de contabilidade. Tudo foi concebido, planejado e executado em menos de 30 dias.

A transformação do Vitor ativista do movimento negro no Vitor empreendedor da Economia Criativa foi um processo lento. Morador de Nova Iguaçu, ele viu sua mãe (e grande inspiração de sua vida!), Teresa Maria, criar sozinha os seis filhos, graças ao dinheiro obtido com o ofício de costureira. “Minha família é como tantas outras nas quais o homem está ausente e quem cuida de tudo é a mulher”, diz em tom de desabafo.

Antes de ingressar no curso de direito na FGV do Rio, ele fez dois cursos técnicos nas áreas de produção cultural e meio ambiente. “Cheguei à faculdade aos 28 anos porque queria primeiro ampliar minha visão de mundo.”

Del Rey e do Brasil

Beneficiado por uma bolsa intermediada pela ONG Educafro, Vitor foi aprovado no concorrido vestibular da FGV e acabou chamando a atenção dos colegas e professores. “Os primeiros, quando liam o nome Coff Del Rey, imaginavam se tratar de um europeu”, diverte-se.

No caso dos professores, sua história de vida e interlocução com as comunidades de baixa renda acabou sendo o catalisador de um convite, feito em 2013, pela professora Silvia Marina Pinheiro, para que ele ajudasse na intermediação entre a universidade e os microempresários, público alvo da clínica de gestão tocada por alunos da FGV. “Muitos empreendedores se intimidavam ao chegar ao imponente prédio da FGV”, recorda. “Meu papel é o de quebrar o gelo e facilitar a comunicação entre estes dois públicos.” Neste período, Vitor ajudou no processo de formalização de 200 pequenos negócios.

Esta vivência fez com que ele tivesse um insight e resolvesse usar seus conhecimentos e sua capacidade de articulação num negócio social.

Até porque, após a conclusão do curso, os empreendedores não eram mais assistidos. Mas, paternalismo não entra em seu vocabulário. “Sou contrário a este discurso, segundo o qual temos de emponderar os empreendedores afro-brasileiros. Qualquer um que tenha conseguido montar um negócio e viver dele já possui o poder. O que lhe falta para crescer, muitas vezes, é o acesso à tecnologia e às ferramentas de gestão”, filosofa.