Favela empreendedora

Conheça o trabalho de jovens que estão ajudando a qualificar empreendedores da periferia da capital mineiraQuem é: João Souza Por que é importante: criou e comanda a primeira aceleradora de negócios existentes em favelas de Belo Horizonte Quem conversa com o empreendedor social João Souza, CEO da FA.VELA, aceleradora de negócios sociais baseada na periferia de Belo Horizonte, tem dificuldades em acreditar nas histórias que ele conta de sua infância e adolescência. “Eu era muito levado”, diz. “Vivia apanhando da minha mãe e na escola era considerado um garoto-problema, destes que xingam os professores”, revela. Por conta disso, foi expulso de cinco escolas, desde o primário até terminar o segundo grau. Filho do meio de um total de nove irmãos, ele cresceu no Morro das Pedras, favela cercada por bairros de classe média alta. Para ir ao colégio passava por prédios de luxo e mansões que propiciavam uma visão pronta e acabada do abismo que separa o topo da base da pirâmide social no Brasil. Para piorar, ainda sofria de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Ou seja, tinha tudo para dar errado e seguir pelos descaminhos que levaram para prisão, ou para o cemitério, parentes próximos e amigos de infância. Mas, felizmente, não foi isso que aconteceu. Aos 28 anos, ele é considerado um dos mais destacados ativistas sociais, do país. À frente da FA.VELA, acrônimo de Fundo de Aceleração Vela, ele lidera uma equipe de oito jovens moradores da periferia que estão dando uma nova dimensão à palavra empreendedorismo. Segundo João (na foto acima, agachado e de blusa branca), o vocabulário rebuscado do mundo das startups não é o bastante para definir o potencial das quebradas. “Aqui, é preciso criar e testar o MVP (Produto Minimamente Viável, da sigla em Inglês) de manhã para faturar o suficiente para comprar o almoço”, conta. “Se não der certo, tem de pivotar o negócio e identificar um novo modelo para conseguir dinheiro para comprar o jantar”, resume. Foi dessa forma criativa que a equipe da Aceleradora chamou a atenção de inúmeras entidades de fomento, do Brasil e do exterior. Em 2016, a FA.VELA captou R$ 350 mil para seus programas de mentoria e de educação empreendedora nos segmentos de beleza e estética, gastronomia e construção civil. A lista inclui a BrazilFoundation, baseada em Nova York, o Departamento de Estado dos EUA, o Newton Fund e o Conselho Britânico, ambos do Reino Unido, e a “filial” mineira da Awesome Foundation. Outra fonte de recursos são as palestras e consultorias prestadas pelos integrantes da equipe. Um acordo tácito prevê a doação de 30% a 40% do cachê para a causa. O objetivo é ampliar a base de geração de recursos próprios, dos atuais 14% para 40%, até 2020, reduzindo a dependência de empresas, entidades governamentais e agências de fomento. [caption id="attachment_15038" align="alignleft" width="300"] Turma que participou do program Pipa Voando Alto, em junho de 2017[/caption] Desde sua criação, em 31 de agosto de 2014, o trabalho da FA.VELA já beneficiou cerca de mil moradores de morros e favelas de BH. Eles passaram por programas de capacitações e mentorias, como o Corre Criativo e o Pipa Voando Alto, destinados a dar um rumo e um direcionamento aos negócios existentes. “Ensinamos que a lógica da economia tem de ser da favela para a favela, mas sem abrir mão do asfalto”, diz. Neste contexto, a primeira preocupação é a formação de cadeias de valor, evitando o canibalismo de negócios, especialmente aqueles que são implantados a partir de modismos. Nessa altura do texto você, caro leitor, deve estar se perguntando o seguinte: quando é que aconteceu a virada na vida deste jovem rebelde, filho de uma normalista e de um mecânico? Bem, João credita sua guinada a diversos fatores. Primeiro ao escotismo, movimento ao qual pertenceu dos sete aos 21 anos. Pesou, também, o medo de morrer ou ser preso, além do fato de ele ter abraçado as poucas, mas decisivas, oportunidades que surgiram pelo caminho. Depois do curso de mecânica no Senai ele foi estudar publicidade numa faculdade privada. Na sequência, seguiu para Coimbra, onde cursou MBA em inovação social, empreendedorismo e inovação. Para chegar lá, vendeu o carro velho e trabalhou como garçom na histórica cidade portuguesa, em todos os finais de semana.