Jovens negros que moram fora das capitais e regiões metropolitanas. Esse é o perfil majoritário das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil, segundo um diagnóstico inédito realizado pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil.
O estudo "Dimensões do Trabalho Infantil no Brasil: desafios persistentes e caminhos para acelerar a erradicação" reúne informações de diversas fontes oficiais de 2023 e apresenta uma avaliação detalhada sobre o perfil das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, incluindo suas condições de vida, escolaridade, ocupações e riscos associados.
“Os resultados desse diagnóstico inédito reforçam como o trabalho infantil no Brasil está associado a desigualdades sociais, raciais e de gênero, e que sua erradicação exige ações intersetoriais, fortalecimento da rede de proteção, ampliação da fiscalização e políticas públicas sustentáveis”, disse o diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.
O diagnóstico destaca ainda que a proteção de crianças e adolescentes é um elemento essencial dos direitos humanos. Também traz informações sobre ações de fiscalização, acolhimento e políticas públicas, além de recomendações para erradicação do trabalho infantil até 2025, conforme a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Resultados principais
Em 2023, havia 1,607 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil, o equivalente da 4,2% do total de crianças e adolecentes nessa faixa de idade e o menor número da série histórica do IBGE iniciada em 2016. Desse total, 586 mil - ou cerca de quatro em cada 10 - exerciam trabalho em condições perigosas, insalubres ou degradantes.
No mesmo período, entre essas crianças e adolescentes, a maioria era de meninos (1,026 milhão), negros (1,259 milhão), entre 16 e 17 anos (895 mil), vivendo em áreas urbanas (1,174 milhão), fora das capitais e regiões metropolitanas (1,291 milhão) e nas regiões Nordeste (506 mil) e Sudeste (478 mil).
A maioria das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil atuava como empregados (676 mil) ou trabalhadores na produção para próprio consumo (425 mil) na agropecuária (443 mil), no comércio (316 mil) e em serviços (419), com destaque para ocupações perigosas como vendedores e trabalhadores em restaurantes.
Mas quando analisado o Trabalho Infantil Doméstico (TID), atividade exercida por a 77 mil crianças e adolescentes em 2023, o perfil muda e a maioria passa a ser de meninas (82%) e negras (62%).
Os dados oficiais do IBGE relativos a 2024, lançados após a conclusão deste diagnóstico, mostram uma interrupção da trajetória de queda do contingente em situação de trabalho infantil no Brasil, com 1,650 milhão (4,3% do total de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade) em situação de trabalho infantil e 560 mil exercendo uma das piores formas de trabalho, números que afastam ainda mais o país do alcance da meta 8.7 dos ODS de erradicar o trabalho de crianças e adolescentes até 2025.
Avanços, pandemia e desafios
O trabalho infantil está fortemente associado à pobreza, desigualdade racial e de gênero. A maioria das crianças em situação de trabalho infantil vive em domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo (786 mil). Apesar de 86,1% frequentarem a escola, esse número é inferior à média nacional (97,5%), indicando vulnerabilidade educacional.
A pandemia da COVID-19 agravou o problema, com aumento do contingente em 2022 para 1,88 milhão (4,9%), embora reduzido posteriormente em 2023.
Assistência Social e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
Entre 2017 e 2025, segundo o estudo, os Centros de Referência (CRAS/CREAS) acolheram 7.233 crianças em situação de trabalho infantil e 1.931 vítimas de exploração sexual. Enquanto auditorias fiscais retiraram 12.697 crianças entre 2017 e 2024, 44% em atividades ao ar livre sem proteção ou em vias públicas.
Apenas 2,6% dos municípios possuem delegacias especializadas para proteção da infância; 19% têm legislação específica contra violência sexual. O programa MAPEAR da Polícia Rodoviária Federal identificou 17.687 pontos vulneráveis à exploração sexual infantil nas rodovias federais, com destaque para os estados de Minas Gerais e Piauí.
Recomendações
O estudo reforça que o trabalho infantil no Brasil está associado a desigualdades sociais, raciais e de gênero, e que sua erradicação exige ações intersetoriais, fortalecimento da rede de proteção, ampliação da fiscalização e políticas públicas sustentáveis. Por isso, apresenta uma série de recomendações para ajudar na erradicação do trabalho infantil, entre elas:
- Produção regular de estatísticas específicas sobre trabalho infantil e uso de plataformas de dados como o Smartlab para monitoramento.
- Garantia de orçamento para ações de erradicação do trabalho infantil.
- Identificação escolar de crianças em situação de trabalho infantil e ampliação da jornada escolar com oferta de cultura e qualidade de ensino.
- Fortalecimento da aprendizagem profissional inclusiva (API).
- Proteção social ampliada para famílias vulneráveis com expansão de políticas de transferência de renda condicionadas.
- Políticas fiscais e setoriais sustentáveis para geração de emprego com promoção do trabalho decente para famílias vulneráveis.
- Fortalecimento da fiscalização com suporte das polícias e agências, incluindo a melhoria da estrutura dos CRAS/CREAS nos municípios.
- Infraestrutura mínima para emergências como pandemias e eventos climáticos.
*Texto publicado originalmente no site da ONU Brasil
