ONG Toda Cidadã insere a tecnologia na luta contra o feminicídio

ONG Toda Cidadã insere a tecnologia na luta contra o feminicídio

“Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho, sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida”

 

No domingo (7/12), milhares de pessoas, em sua maioria mulheres, ocuparam as praças e avenidas de dezenas de cidades brasileiras para protestar contra o feminicídio. Os atos tiveram como pano de fundo o crescimento exponencial dos casos de violência contra as mulheres que, apenas no período janeiro-novembro, resultaram em 1.180 mortes e cerca de três mil atendimentos diários no Ligue 180, de acordo com o Ministério das Mulheres. Um quadro alarmante e que já é tratado como epidemia, cujo enfrentamento precisa ser feito em diversas frentes: desde a prevenção e a conscientização, passando pelo acolhimento e um rigor maior do poder publico em proteger as potenciais vítimas e punir os agressores. E foi para atuar nos dois primeiros quesitos que a Toda Cidadã, ONG baseada em São Paulo e dedicada à educação cívica de mulheres e meninas, lançou o chatbot Maria Valente.

O aplicativo foi concebido como forma de permitir às mulheres um espaço de conscientização sobre seus diretos, conectando-as aos serviços oferecidos pelo poder público. Tanto para denunciar os episódios de agressão, quanto para buscar apoio e conforto. A interação se dá a partir de mensagens de textos e áudios. “Não prestamos aconselhamento jurídico, mas indicamos caminhos existentes na esfera pública e gratuita para preservação de direitos, denúncia e acolhimento das vítimas”, explica Gabriela Toso, fundadora da ONG e idealizadora do chatbot que recebeu o suporte da CIVICUS Alliance, por meio do programa global Digital Democracy Initiative, responsável por bancar os custos de desenvolvimento do software que roda no Whatsapp, sem consumir o pacote de dados da assinatura da usuária. 

Em um mundo no qual a cada 10 minutos uma mulher é vítima de agressão perpetrada por familiares ou parceiros, segundo dados da ONU, toda ajuda é bem-vinda. Aliás, a própria Gabi (ao microfone, na foto abaixo), como ela é mais conhecida, engrossa essa triste estatística, tendo sofrido maus tratos durante a pandemia. “Foi um processo doloroso, ao longo do qual eu percebi que, independentemente da cor da pele e da condição social, nenhuma de nós está imune a esta epidemia de violência de gênero”, recorda. A partir dessa experiência, ela passou a direcionar seu ativismo para a luta contra o feminicídio. “Fui cursar Direito com o intuito de lutar por justiça social, mas percebi que apenas as ferramentas da profissão não dariam conta dessa questão.” A Toda Cidadã nasceu em 2021 e, rapidamente, ganhou escala, graças, em boa medida, ao longo histórico de atuação em projetos de liderança e gestão de pessoas, iniciado aos 19 anos, quando se integrou à AIESEC.

Cabeça de startup social

maria valente 1 papo reto beatriz toso

O chatbot Maria Valente traz em sua concepção inúmeras referências. Desde um aplicativo surgido na África do Sul, focado em educação sexual de meninas e adolescentes, passando pela homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, cuja história inspirou a Lei 11.340 de proteção às mulheres, mais conhecida como Lei Maria da Penha, até a música Maria, Maria, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, cujos versos abrem esse texto e a versão integral pode ser conferida no final da reportagem, na interpretação magistral de Elis Regina. Apesar de ser um ferramenta de promoção social, o projeto da ONG Toda Cidadã  foi concebido e tocado a partir da dinâmica das startups.

Primeiro veio o pitch, do qual participaram 900 iniciativas na disputa pelos recursos para tirar a ideia do papel. O segundo passo foi o desenvolvimento, que embutiu diversas validações, ensaios e testes de usabilidade com foco nas necessidades das mulheres que acabaram de sofrer violência, e por isso mesmo estão mais fragilizadas e estressadas, até “mecanismos” para evitar o uso da ferramenta por homens que buscam brechas na lei. 1 Papo Reto testou o aplicativo e conferiu, empiricamente, todos os pontos aludidos pela fundadora da ONG Toda Cidadã.

Gabi diz que os próximos passos incluem a elaboração de um relatório escrutinando as interações das 200 primeiras usuárias. O material será entregue aos integrantes dos poderes executivos dos 26 Estados mais o Distrito Federal. As metas para 2026 são ambiciosas: chegar a 10 mil acessos e ajudar a incidir nas políticas destinadas à proteção e valorização das mulheres, atingindo uma escala que garanta relevância ao app social. E essa ambição ficou patente já no lançamento do chatbot, ocorrido durante evento realizado na terça-feira 9, em palestra na FGV, em São Paulo, no qual foram debatidos dois eixos temáticos: Tecnologia, Educação Cidadã e o Combate à Violência Digital contra Mulheres e Meninas e Estratégias e Parcerias para Enfrentar os Desafios de Gênero e IA: Primeiro, Segundo e Terceiro Setor. “Maria Valente celebra a força das mulheres que conseguem romper o ciclo de violência. Não é uma tarefa fácil, por isso é que precisamos criar mecanismos para ajudar a mulheres ao longo desse ponto de virada”.