No Vale do Sol quem brilha é a solidariedade

Não é difícil se encantar com as histórias contadas pela baiana Jordânia Pereira da Silva, fundadora da Cooperativa Unindo Forças, situada no Vale do Sol, bairro do município de Barueri, cidade da Grande São Paulo. Nascida em Barra do Rocha (BA) e radicada em São Paulo desde 1980, sua fala mansa, porém firme, vai conduzindo a conversa com leveza, mesmo quando o assunto possui a aridez das lembranças do período de extrema dificuldade quando teve de reduzir o ritmo de trabalho, por conta de uma crise de bursite e de tendinite. As doenças fizeram-na suavizar a rotina de trabalho que incluía bicos como ajudante de pedreiro e feirante. “O meu marido estava desempregado e estávamos vivendo da ajuda de parentes”, conta. Para melhorar o orçamento doméstico, Jordânia começou a lavar roupa sob encomenda.

Foi nesta nova ocupação que ela descobriu um terrível inimigo a ser enfrentado: a poluição resultante da queima de pallets e outras madeiras, cujas cinzas sujavam as roupas estendidas no varal de casa. “Um dia, resolvi ir no lugar que era fonte dos meus problemas”, recorda. A partir daí, a lavadeira deu lugar à recicladora, à marceneira, à ativista social e todas as demais ocupações, atividades e personas que marcam o dia a dia dessa baiana retada.

É ela quem faz as honras para quem visita a premiada Cooperativa. O local impressiona pela organização e pelo ritmo frenético de trabalho. O timbre de voz dominante é o feminino, pois no time composto por 12 cooperados, com faixa etária acima de 35 anos, apenas um é do sexo masculino. E são elas que definem o destino de um negócio criado no final de 2005 e que possui parceiros de longa data, como a Fundação Alphaville, e mais recentes, como é o caso da subsidiária da francesa L´Oreal e da MPD Engenharia.

Cooperativa Unindo Forças 1 Papo Reto Jordania Pereira sa SilvaJordânia da Silva, fundadora da Cooperativa/Foto: divulgaçãoA construtora paulistana, especializada em obras sustentáveis, se aproximou da Cooperativa no ano passado. Desde então, já enviou o equivalente a R$ 15 mil em pallets, principal matéria prima da equipe liderada pelas orgulhosas marceneiras. Ali, nada se perde. Os pregos são arrancados e revendidos, enquanto a madeira serve de base para móveis e objetos de decoração feitos sob medida para clientes individuais. Algumas das 200 peças produzidas por mês (entre caixas, cachepots, mesas de centro, prateleiras-nichos) podem ser encontradas na vitrine e nos ambientes montados na rede Tok&Stok, ao lado do trabalho assinado por conceituados designers.

Olhar interno

Pesquisas e estudos diversos indicam que a construção civil é um dos setores que mais impactam o meio ambiente e onde as possibilidades de desperdício são maiores. Foi esta percepção que levou os executivos da MPD a “passar uma lupa” pelo negócio para buscar eventuais falhas. Neste processo, eles descobriram que seria preciso melhorar aspectos internos. “Passamos a olhar com mais cautela para o nosso cenário e percebemos que havia uma quantidade significativa de palletes sobrando”, conta Milton Meyer, vice-presidente da construtora.

A ideia da parceria com a Cooperativa de Barueri nasceu a partir de uma ação interna batizada de Prêmio de Qualidade e Inovação, destinado a incentivar os funcionários a desenvolver processos e iniciativas para serem adotadas no dia a dia. O que era resíduo, para um lado, se tornou matéria prima, para o outro. Para sorte das marceneiras lideradas pela incansável Jordânia.

E o adjetivo "incansável" aparece, aqui, no seu sentido estrito. Até porque, basta um dedo de prosa com a líder comunitária para saber que seu dia tem 36 horas. Duvida? Pois além de dar expediente diário na Cooperativa, ela atua como voluntária em outras três iniciativas. Uma delas é a Casa do Bem, que funciona num imóvel colado à Cooperativa. Lá, ela conta com o auxílio de moradores do bairro, além de adolescentes, homens e mulheres que estão cumprindo medidas socioeducativas ou prestação de serviços comunitários.

Cooperativa Unindo Forças 1 Papo Reto 2 585x383As mulheres lideram em todas as áreas. Da marcenaria à gestãoNo acanhado espaço, pequenos objetos de decoração, roupas e brinquedos provenientes de doação são dispostos de forma a tentar aguçar a curiosidade de quem passa pela rua. A receita obtida ali se reverte em benefícios diretos aos mais necessitados. As demandas vão da compra de medicamentos até reformas emergenciais em imóveis, passando pela aquisição de cestas básicas entregues aos mais necessitados.

E de onde vem a força e a disposição de fazer tanta coisa? “Vem da necessidade em ajudar quem está ao nosso lado e precisa ter o problema resolvido na hora!”, responde ela candidamente, antes de passar no pão de forma mais uma porção de requeijão caseiro. “Ficou melhor e mais saudável do que o comprado no mercado”.

Prestes a se graduar no curso de assistente social, pelo sistema EaD, na Universidade Estácio de Sá, Jordânia dá pistas do que virá pela frente. “Eu que já sou agitada sem ter diploma, você imagine só quando eu estiver formada”, diz, com um largo sorriso estampando no rosto.