O teletrabalho invadiu os mercados de trabalho da América Latina e do Caribe como forma de enfrentar as consequências da pandemia da COVID-19, permitindo a continuidade das atividades em alguns setores no contexto de uma queda devastadora da atividade econômica, com perda de emprego, queda na renda e fechamento de empresas. Em uma nota técnica liberada na terça-feira (6), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) analisa o crescimento do teletrabalho na região e a possibilidade de uma mudança estrutural com impactos sistêmicos.
Estimativas preliminares da OIT indicam que no pior momento da crise, no segundo trimestre de 2020, cerca de 23 milhões de pessoas passaram para o teletrabalho na região. Como em outras partes do mundo, essa modalidade surgiu como um mecanismo para garantir a continuidade de certas atividades econômicas e, com ela, da relação de trabalho.
Uma nova nota técnica da agência da ONU divulgada nesta terça-feira destaca que, nos países da região onde há dados disponíveis, entre 20% e 30% das pessoas assalariadas que estiveram efetivamente trabalhando o fizeram em suas casas durante a vigência das medidas de confinamento. Antes da pandemia, esse número era inferior a 3%.
Um novo modelo de trabalho - O relatório destaca que, embora seja muito cedo para prever o alcance efetivo do teletrabalho, será necessário que os países e as sociedades estejam preparados para assumir que esta modalidade veio para ficar, seja como uma solução conveniente para algumas pessoas e empresas, ou por meio da proliferação de formas híbridas que combinam o trabalho no estabelecimento com o trabalho em casa.
A análise da OIT afirma que embora o trabalho a partir do domicílio existisse antes da pandemia, abrangia principalmente os(as) trabalhadores(as) autônomos(as) ou, em situações especiais, era combinado com o trabalho no estabelecimento, “mas no contexto da quarentena passou, em muitos casos, a ser a modalidade exclusiva de trabalho ”.
Acesso desigual - “Porém, nem todos os trabalhadores conseguiram fazer uso dessa modalidade. Foram sobretudo as pessoas assalariadas formais, com elevado nível de escolaridade, com vínculo empregatício estável, em ocupações profissionais, gerenciais e administrativas e, claro, com acesso às tecnologias necessárias ao desempenho das suas tarefas, que registaram os maiores aumentos no teletrabalho ”, explicou Roxana Maurizio, especialista regional da OIT em economia do trabalho e autora da nota técnica “Desafios e oportunidades do teletrabalho na América Latina e no Caribe” (em espanhol)
O relatório destaca que “os trabalhadores informais, autônomos, jovens, com menor qualificação e com baixos rendimentos, que experimentaram as maiores perdas de empregos e nas horas trabalhadas, principalmente no primeiro semestre de 2020” tiveram muito menos acesso ao teletrabalho.
Segundo Maurizio, também é importante considerar que numa região caracterizada por estruturas laborais com baixa intensidade geral na utilização de tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e com elevadas brechas tecnológicas, “era de esperar que a difusão da modalidade de trabalho em domicílio e, em particular, do teletrabalho, não fosse homogêneo entre os diferentes grupos de trabalhadores
Por outro lado, a especialista da OIT acrescentou que antes desta crise o teletrabalho era considerado uma alternativa para conseguir uma melhor conciliação entre a vida familiar e profissional, mas durante o isolamento provocado pela pandemia a situação ficou complexa, porque também as escolas foram fechadas e as demandas de cuidados aumentaram.
Desafios - O relatório destaca alguns aspectos relevantes que devem ser abordados para enfrentar os desafios do teletrabalho:
- Princípio da voluntariedade e acordo entre as partes
- Organização e horário de trabalho
- Segurança e saúde no trabalho
- Equipamentos e itens de trabalho
- Proteção do direito à privacidade dos(as) trabalhadores(as)
- Dimensão de gênero e teletrabalho
- O papel dos atores sociais
- Relação de trabalho e cumprimento da legislação
Direitos trabalhistas - As questões da seguridade social, cumprimento das jornadas de trabalho, liberdade sindical, acesso à formação profissional, saúde e segurança no trabalho, entre outras, fazem parte dos temas a considerar. A nota técnica destaca que o diálogo entre governos, empregadores e trabalhadores é fundamental para abordar essas questões.
“Na perspectiva das empresas, o teletrabalho também representa desafios para garantir a continuidade das operações e manter os níveis de produtividade necessários à sua sobrevivência ”, acrescenta.
“É imprescindível considerar as lições aprendidas durante a pandemia ”, afirma a nota técnica da OIT, que também indica que, para análises futuras sobre o tema, “ é necessário ter estatísticas oficiais que forneçam informações adequadas, comparáveis e atualizadas ”sobre o teletrabalho na América Latina e no Caribe.
*Texto originalmente publicado no site da ONU Brasil. Veja o original aqui.