Afinal, sem água, não tem atividade produtiva. Do aço ao tijolo, passando pela fabricação de móveis e chips de computador nada acontece sem as duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. Mais. Em um país que pretende se tornar o celeiro do mundo e que depositou na hidroeletricidade 65% de sua matriz energética, era de se imaginar que a proteção aos cursos de água e mesmo a “produção de água” seriam mantras de gestores públicos, empresários e a população em geral.
A realidade, no entanto, nos indica o contrário!
Ano após ano, a devastação provocada pela ação humana em ecossistemas sensíveis, como a Amazônia e o Pantanal, avança de forma contínua, prejudicando o equilíbrio ambiental e expondo as nascentes e os leitos dos rios. Sem cobertura vegetal, o solo fica pobre e não consegue reter a água da chuva, reduzindo ainda mais o lençol freático. Mais. Menos florestas também é sinônimo de menos chuvas, o que torna mais constante a ocorrência de ciclos de crise hídrica.
Rinaldo Calheiros, da Synergia, é o criador do sistema de Engenharia Verde Decorridos quase seis anos da mais grave crise hídrica já vivida na região Centro-Sul, vemos o fenômeno se repetir. Na época, o sistema Cantareira, que abastece a casa de cerca de 7,4 milhões de paulistas, chegou a operar com apenas 4,4% de sua capacidade. Dessa vez, porém, a crise hídrica vem acompanhada do risco de apagão. Ou seja: corremos o risco de ficar sem água nas torneiras e sem luz! Para tentar evitar a interrupção do fornecimento de energia, por conta da paralisação compulsória de hidrelétricas, o governo federal optou por um tarifaço na conta de luz.
É neste contexto que começam a ganhar força as tecnologias alternativas, capazes de minorar e até resolver o problema. Uma das empresas que apostam neste nicho é a paulistana Synergia Socioambiental. A consultoria desenvolveu uma tecnologia de “produção de água” baseada na Infraestrutura Verde. “Não se trata apenas de reflorestamento de encostas e de matas ciliares”, adianta o engenheiro agrônomo Rinaldo de Oliveira Calheiros, coordenador da equipe de sustentabilidade hídrica da Synergia. “É preciso olhar a questão de forma holística e, além de proteger os cursos existentes, ampliar a capacidade de absorção do lençol freático.”
Em suma: o que ele faz é produzir água!
A tecnologia desenvolvida pelo consultor é baseada em exemplos globais, cujo símbolo mais exitoso é o trabalho da prefeitura de Nova York. Lá, o governo atuou em duas frentes: comprou áreas em torno das nascentes da bacia hidrográfica de Catskills, onde estão os principais rios que abastecem a cidade, e fez a gestão da produção agroindustrial na região.
Com isso, além de abundante, ficou mais limpa a água que chega à estação de tratamento da cidade. “Nova York possui uma das melhores águas de abastecimento, do mundo”, destaca Rinaldo, que é doutor em recursos hídricos pela ESALQ/USP e pesquisador científico pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Extrema, situada na Zona da Mata de Minas Gerais, também é um exemplo de cidade que utilizou a Infraestrutura Verde, tendo sido premiada pela ONU em 2014.
A novidade que o professor Rinaldo traz é a quantificação da disponibilidade e demanda hídrica da bacia, com valores que possibilitam um planejamento preciso e um prognóstico a longo prazo dos investimentos e das medidas necessárias.
Aliado à adoção de infraestruturas verdes, o sistema oferecido pela Synergia é mais barato que os convencionais, que não trazem previsibilidade e usam Infraestrutura Cinza, prevendo obras convencionais de captação e armazenamento em barragens. A diferença, segundo Rinaldo, chega a 50%. Em entrevista a 1 Papo Reto, o pesquisador destacou que um dos aprendizados da crise hídrica de 2014 tem sido a maior conscientização de prefeitos e gestores de estatais de água e esgoto.
“Antes, as administrações locais só se interessavam por projetos de engenharia que previam a captação de água em rios e seu armazenamento em barragens. Hoje, a tese de produção de água, a partir da recomposição florestal e obras para permitir a maior absorção da água da chuva pelo solo, já conseguem espaço na agenda”, diz.
Em 2014, a população de Itu (SP), protestou contra a recorrente falta de águaEssa nova tecnologia foi aplicada em Nova Odessa, que adotou pioneiramente a solução proposta pelo especialista. O gasto foi 50% menor em relação ao método convencional. Os estudos do professor chamaram a atenção do mercado, resultando no convite para que Rinaldo integrasse o time da Synergia, em 2019.
Hoje o sistema está sendo implantado no município de Vinhedo, e o diagnóstico hídrico da bacia do Mangaraí, realizado pelo governo do Espírito Santo, por meio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), já adotou a metodologia de quantificação para produção de água oferecida pela Synergia.
A empresa é o braço ambiental do Grupo TPF, baseado em Bruxelas e cujas receitas atingiram R$ 1,4 bilhão, em 2020, a partir de obras de infraestrutura na Europa, na África e na América Latina. Desse montante, a Synergia colaborou com R$ 80 milhões. E a expectativa é crescer de forma contínua. Afinal, a água é vista como o petróleo do século 21. Hoje, a captação e o tratamento de água e custam R$ 42,5 bilhões em investimentos anuais, ao Brasil.
Apesar de a hidroeletricidade depender exclusivamente da água, é a agricultura que consome mais recursos hídricos: 65% da água disponibilizada anualmente são usadas na irrigação de lavouras. Em breve, essa conta não vai mais fechar. Na visão do engenheiro Rinaldo, no entanto, ainda há tempo de evitar o pior. E as ações não devem ficar circunscritas ao poder público. As empresas urbanas e o agronegócio também podem, e devem, dar sua contribuição.
