Extra, Extra, Extra

Quem é: Dojival Vieira
Por que é importante: atuante em grandes causas dos direitos humanos, fundou a Afropress a primeira agência de notícias especializada em temas da comunidade afro-brasileira

O Brasil é um país sui generis em diversos aspectos. Um dos mais marcantes é a questão racial. Por aqui, conseguimos o prodígio de concordar que existe o racismo e/ou preconceito racial, mas somos incapazes de encontrar alguém que admita ter agido desta forma. Nas palavras do antropólogo Roberto da Matta, seria o "Racismo sem racistas", ou como pontuou magistralmente seu colega Kabengele Munanga, tratar-se-ia de um "Crime perfeito". A partir de meados do século 19, ganhou força o movimento abolicionista, que teve na imprensa seu mais destacado instrumento para o debate de ideias. Hoje, em pleno século 21, os meios de comunicação continuam tendo um papel vital na promoção de uma sociedade melhor, para todos os brasileiros. Neste contexto, a Afropress, primeira agência especializada na cobertura e difusão de notícias de interesse da comunidade afrobrasileira, resgata, de certa forma, o trabalho desenvolvido pelos pioneiros do século retrasado.

"A Afropress é fruto de dois componentes: ousadia e resistência", diz o jornalista e advogado Dojival Vieira. A agência foi criada em 2004 e no ano seguinte passou a operar em tempo real, com a dedicação "25 horas por dia" de Vieira e sua mulher, a também jornalista Dolores Medeiros. A inspiração se deu em meio à participação da dupla na Conferência da ONU, realizada em Durban, na África do Sul, na qual foi estimulado o uso das tecnologias de comunicação como uma importante arma na luta contra o racismo. "Sem dinheiro para investir, percebi que as redes sociais seriam o caminho ideal para tocar este trabalho", explica Vieira.

Hoje, a Afropress se firmou como uma fonte valorosa de consultas para quem deseja debater este tema e conhecer o protagonismo de inúmeros afrodescendentes, cujas histórias dificilmente são contadas pela chamada grande imprensa. "A invisibilidade do negro continua sendo a regra quando se fala dos meios de comunicação no Brasil", destaca. O modelo da Afropress parece que caiu no gosto do grande público, especialmente dos internautas. As reportagens e artigos escritos pelo casal e inúmeros colaborados, incluindo correspondentes em Nova York e em Londres, são acessados por cerca de 60 mil pessoas mensalmente.

Nestes nove anos de trajetória com a Afropress, Dojival e sua equipe já enfrentaram barras pesadíssimas, que incluem até ameaças de morte, feitas por grupos neofascistas. Isso se deveu, também, por conta de sua militância como advogado, em casos de grande repercussão envolvendo os direitos humanos e, principalmente, episódios de racismo. O mais emblemático foi o do funcionário da USP agredido pela PM e por seguranças de um supermercado, que o acusavam de ter roubado o próprio carro, um vistoso EcoSport. "Como jornalista, botei a boca no mundo," recorda. "Como advogado, atuei no acordo extrajudicial e continuo acompanhando o caso na esfera criminal, para que os acusados sejam devidamente enquadrados pelo crime de tortura."

Para Dojival, episódios como este mostram o quão distantes estão os afrobasileiros da cidadania, de fato. Por conta disso, ele mantém na Afropress uma linha editorial dura e firme contra as injustiças de todas as formas, especialmente às derivadas da questão racial. Mas destaca que esta luta só terá sentido que contar com um número cada vez maior de apoios. Até porque, o papel da imprensa, apesar de relevante, é sempre limitado. "A comunidade negra do Brasil deve colocar na cabeça que, ao contrário do que ocorre nos EUA, onde representam apenas 12%, aqui somos uma maioria de quase 51% da população", diz. "Está na hora de nos tornarmos protagonistas de nossas conquistas e de nossa liberdade."