Vou de táxi, de trem, de metrô, de VLT, de BRT ...

O Brasil e o México são os maiores países da América Latina. Por isso mesmo, guardam muitas similaridades. Uma delas é a aposta tardia no metrô, cuja construção começou apenas em 1974, por aqui, exatos 112 anos após a inauguração da primeira linha da Europa, em Londres, e 62 anos depois de a nossa vizinha Argentina ter colocado nos trilhos o primeiro trem subterrâneo. Contudo, enquanto a Cidade do México, a capital e maior região metropolitana daquele país, possui uma malha de 226 quilômetros de metrô, São Paulo, que tem uma extensão territorial e importância semelhante, apesar de não ser a capital do Brasil, pena para ultrapassar a marca de 100 quilômetros de linhas de metrô.

Na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos, o trem metropolitano e o metrô funcionam como a espinha dorsal do esquema de mobilidade urbana e como uma opção de ligação eficiente entre os centros urbanos e os chamados subúrbios, áreas equivalentes a Granja Viana, em São Paulo, ou Grumari, no Rio de Janeiro. Neste contexto, o ônibus e até a bicicleta e o táxi entram como um complemento para vencer pequenos trajetos. Em muitos casos, um morador de uma cidade europeia sai de casa de bicicleta. Deixa a magrela estacionada na estação de trem, e completa o trajeto a pé até o escritório ou a faculdade.

Trata-se de um receituário que conta com a simpatia de nove entre 10 pessoas ligadas ao debate sobre mobilidade urbana, inclusive no Brasil.  Apesar disso, muito pouco ou quase nada vem sendo feito, de forma organizada e sistêmica, para resolver a questão da mobilidade e implantar sistemas semelhantes por aqui.

A improvisação tem sido a tônica. E isso vale para a mais rica das cidades brasileiras, São Paulo, e também para a mais antiga, Salvador. Na falta de um planejamento central e articulado, pipocam aqui e ali experiências exitosas de ações isoladas de prefeituras, governos estaduais ou até mesmo empreendedores, como a gaúcha Stadtbus, de Santa Cruz do Sul que, desde 2009, oferece ônibus com suporte para bicicletas.

Contudo, em termos de sistemas de de mobilidade urbano massivos e de grande alcance, a inicitiva mais famosa surgiu em Curitiba, onde o BRT (da sigla em inglês para Ônibus de Trânsito Rápido), apelidado de ligeirinho, se firmou na paisagem da capital paranaense a partir de 1974. Hoje, ele vive uma segunda onda, graças à parceira da prefeitura com a subsidiária da sueca Volvo, fabricante de ônibus hibrido, movido a bateria e biodiesel.

Trata-se da aposta da empresa para a nova geração de corredores de ônibus que deverão ser implantados no Brasil e na América Latina. Afinal, a mobilidade, hoje, também deve levar em conta a poluição causada pelo veículo, uma vez que o setor de transporte figura entre os maiores vilões das emissões dos gases que causam o aquecimento global. Daí o crescimento das opções de veículos que utilizam combustíveis alternativos, que agridem menos a camada de ozônio, em relação aos combustíveis derivados de petróleo.

“Nos deslocamentos urbanos, o BRT leva vantagem sobre o metrô e o trem”, argumenta Luis Carlos Pimenta, presidente da Volvo Bus Latin America e cuja foto abre esta reportagem. “Afinal, quem deixa as pessoas na porta de casa ou próximo de suas residências é o ônibus.” Outro ponto positivo, de acordo com o executivo, é o custo de implantação.

Apesar de ser encarado como o mais amigável dos meios de transporte, o metrô deixou de ser tratado como uma panaceia. Um dos motivos é seu elevado custo, especialmente em cidades que cresceram de forma desorganizada e estão fartamente adensadas, como boa parte das capitais brasileiras.

“Com R$ 1 bilhão é possível implantar 200 quilômetros de BRT. O mesmo montante é suficiente para fazer apenas 10 quilômetros de metrô”, destaca o executivo da Volvo. A diferença é gritante também no que se refere ao tempo da obra: dois anos contra 10 anos, respectivamente.

Neste contexto, o Brasil, em particular, e a América Latina, em geral, começaram a ser assediados por fabricantes europeus e asiáticos de sistemas inovadores e que possuem preço competitivo, em relação ao metrô. Dessa nova safra uma das mais ativas é a chinesa BYD (Build You Dreams). Ao apostar todas as suas fichas em veículos 100% elétricos a empresa viu seu prestígio aumentar em países como Dinamarca e Alemanha onde o uso desta fonte se consagrou nos últimos 30 anos.

Aliás, coube a BYD um importante recorde nesta área. Em 2 de abril, um ônibus da frota que atende a cidade de Copenhague, na Dinamarca, percorreu incríveis 325 quilômetros com uma única carga de eletricidade. Os 110 km iniciais foram cumpridos em seu percurso usual, na linha que corta o centro da cidade, e o restante em uma autoestrada.

É com estas marcas que os chineses pretendem se impor também aqui no Brasil. O ônibus da BYD que hoje circula no Rio de Janeiro, na linha 249 (Água Santa –Largo da Carioca),  já passou por Salvador e outras tantas cidades do país. A BYD promete investir cerca de R$ 500 milhões na construção de uma fábrica, em São Paulo, como forma de baixar os custos de produção e o preço final de seus modelos.

Timidez brasileira

A desenvoltura dos chineses demonstra como as empresas locais e as subsidiárias de fabricantes de chassis e carrocerias têm se mostrando tímidos na hora de cavar seu espaço.

O presidente da Volvo Bus culpa a falta de definição do governo em seus três níveis de atuação. “Os principais planos de mobilidade para a Copa do Mundo ficaram no papel”, critica Pimenta. “Isso é frustrante porque fizemos investimentos baseados na expectativa de que este megaevento poderia tirar do papel os planos de modernização do transporte brasileiro.” O principal deles foi no desenvolvimento de uma linha de ônibus híbridos, movidos a eletricidade e biodiesel.

Questionado sobre o tema o Ministério das Cidades não quis conceder entrevista. Por meio de sua assessoria de comunicação, limitou-se a dizer, por email, que “todos os 38 projetos de mobilidade urbana, vinculados à Copa do Mundo, estão em execução, exceto a complementação da implementação da Via Prudente de Moraes, em Natal”.

A falta de um planejamento articulado na área da mobilidade no Brasil não é sentida apenas pelos executivos da sueca Volvo. A brasileiríssima Eletra Industrial, baseada em São Bernardo do Campo, na região do ABCD, em São Paulo, é outra que se ressente disso.

Pioneira na produção de trólebus, que hoje são exportados para Argentina e até para Nova Zelândia, desde 5 de março, a empresa colocou para rodar a primeira safra de ônibus elétrico do Brasil, movidos a bateria. Eles circulam no corredor ligando Diadema, cidade da Grande São Paulo, ao bairro de Diadema, na Zona Sul da capital.  (veja vídeo, aqui)

Fruto da parceria com inúmeras empresas, desde a catarinense WEG, até a japonesa Mitsubishi, passando pela alemã Mercedes-Benz, os protótipos estão em testes de viabilidade. “Ainda não conseguimos definir claramente o custo do projeto”, explica Iêda Maria Oliveira, gerente comercial da Eletra. “O uso da eletricidade faz parte de nosso DNA.”

Além do sistema de mobilidade urbana sobre pneus a opção por meio de trilhos também ressurge no Brasil. E não se trata do apenas do metrô ou do trem convencional, mas uma junção destes dois modais, batizado de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), conhecido como monotrilho. Sua entrada na paisagem brasileira se dará por São Paulo, onde a canadense Bombardier venceu a licitação para implantar uma linha de VLT para a Linha 15 do metrô.

No Rio de Janeiro, a prefeitura, o governo estadual e os operadores de ônibus estão atuando em duas frentes. Uma delas é a expansão do metrô até a Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste da cidade. Outra é o Transcarioca, um corredor de ônibus baseado em BRTs convencionais, movidos a diesel, que cumprem o trajeto entre a Barra da Tijuca (Zona Oeste) e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador.

Este sistema é visto como uma das principais artérias de deslocamento do tráfego para dar conta da demanda de tráfego durante a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016.

No caso do VLT, sua implantação em terras cariocas começa, digamos, como uma espécie de resgate dos antigos bondes. A primeira linha será implantada na Zona Portuária, região da cidade que está passando por uma das maiores, e mais desafiantes, intervenções feitas nos últimos 50 anos na cidade. Sua função será a de emprestar um ar, digamos, futurista, ao velho porto do Rio de Janeiro, exatamente como acontece na também litorânea Santos (SP).

Seguindo nos trilhos

Para entender um pouco melhor o que nos reserva o futuro dos meios de transporte, conversamos, também, com Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos) e presidente do Metrô do Rio.

Existe algum modal que será dominante em 2020?

O futuro da mobilidade será caracterizado pela reorganização da infraestrutura urbana, por meio da disponibilização de uma rede integrada de transporte, que será alocada nas cidades também considerando fatores como: otimização do espaço urbano, qualidade ambiental e sustentabilidade. O transporte metro-ferroviário de passageiros terá, nessa visão, papel fundamental como organizador dos grandes fluxos, que deverão ser integrados e alimentados por outros modais de transporte.

O modal trilhos assumirá esse papel, porque ao mesmo tempo em que possibilita o deslocamento de grande número de pessoas, ele estrutura o transporte urbano, promovendo a redução das emissões atmosféricas e da poluição sonora, ao mesmo tempo em que contribui para a reorganização e revitalização dos centros urbanos, trabalhando, ainda, a partir de fontes energéticas renováveis.

O Brasil já se conscientizou de que a implantação de sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos, como metrôs, trens metropolitanos, veículos leves sobre trilhos (VLT) e monotrilhos são excelente alternativa para aumentar a mobilidade, contribuindo para a qualidade de vida da população e para a qualidade ambiental de nossas cidades.

Pode-se dizer que o custo, especialmente com desapropriações, inviabiliza grandes expansões do metrô no Brasil e que isso está abrindo espaço para novas modalidades como BRT, o monotrilho e o ônibus elétricos?

Não. O problema que envolve a necessidade de desapropriações para a implantação de obras de mobilidade surge quando a cidade/região já se desenvolveu sem um devido planejamento de suas redes de transporte, fazendo com que quaisquer novas obras de infraestrutura necessitem de espaço para abertura de novas vias, que já estão devidamente ocupadas por uma urbanização. Esse princípio independe do tipo de obra de mobilidade, servindo para qualquer sistema de transporte: novas estradas, ruas, expansão de mais uma faixa de circulação de carros, criação de BRTs, dentre outros.

A definição do modo de transporte a ser adotado por uma cidade como solução para o problema de mobilidade enfrentado hoje, especialmente nas grandes e médias cidades, deve depender de estudo dos fluxos de demanda de cada um dos corredores de transporte. A questão não é implantar linhas de metrô em todas as situações. O metrô é indicado para o caso de corredores extremamente carregados, que geram um fluxo de demanda muito grande.

Para aqueles corredores que não são tão carregados, há alternativas como o VLT, o monotrilho ou mesmo o BRT. A opção do planejador urbano pela adoção de cada uma dessas opções deverá levar em conta diversos aspectos, que balizarão sua decisão na hora de recomendar e aprovar o investimento.

Qual o papel do transporte sobre trilhos no novo plano de mobilidade urbana do Rio de Janeiro?

A cidade do Rio de Janeiro passa por grandes obras na área de transporte sobre trilhos. São projetos importantes que incentivarão a circulação urbana, diminuindo a congestão dos demais meios de transporte, contribuindo para melhorar a mobilidade urbana e otimizar a qualidade de vida da população. Atualmente o Governo do Estado trabalha com sete projetos principais que mudarão a realidade da mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro.

São eles: a renovação de quatro linhas do sistema de trens urbanos do Estado; ampliação e modernização das atuais linhas de metrô; construção da linha 4 do metrô, conectando à Barra da Tijuca; e as seis linhas de VLT integradas ao projeto do Porto Maravilha, que visa, além da melhoria da infraestrutura de transporte, a revitalização de toda a área central do Rio de Janeiro.

O fomento ao transporte sobre trilhos no Rio contribuirá para o aumento da mobilidade, para o incremento da qualidade, da segurança e da regularidade do transporte público para a população, reduzindo a poluição sonora e as emissões atmosféricas, além de fator fundamental na revitalização da área central da cidade.

Mas essa é uma realidade circunscrita apenas no Rio, ou já se disseminou por outras metrópoles brasileiras?

A tendência de expansão dos sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos para a próxima década já é uma realidade, não só no Rio, mas em todo o Brasil. O país tem investido pesadamente no setor sobre trilhos, buscando deixar um legado que contribuirá para melhorar a infraestrutura urbana e para otimizar a qualidade de vida da população nas principais cidades brasileiras. São mais de vinte projetos, divididos entre implantação de novos sistemas, ampliação e/ou modernização das linhas existentes e ampliação da frota, num total de mais de R$ 11 bilhões em investimentos.

Não há como viver ou produzir bem quando você pensa que um cidadão deve sair de casa para ir ao trabalho com duas horas de antecedência e, ao voltar para casa, perca mais duas horas em trânsito e congestionamentos. O retorno social que os sistemas de passageiros sobre trilhos propiciam à população e ao processo produtivo é exatamente acabar com essa distância, proporcionando mais tempo livre para dedicar à sua família ou ao seu lazer, ao mesmo tempo em que reduz o desgaste de deslocamento ao trabalho, fazendo com que seu nível de produção seja maior.