A diferença da etiqueta no comércio da moda

Como uma calça pode custar R$ 10? Ou ela tem defeito, o material é descartável, ou pior, é fruto de mão de obra escrava. “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”, já diz o velho ditado, mas basta uma voltinha pelo centro da capital paulista para que venha à tona a pergunta, e pode ser que essas respostas fornecidas sejam verdadeiras. É importante ficar sempre atento aos detalhes que cercam super ofertas.

Porém, existe, para essa pergunta, uma explicação que poucos conhecem. As confecções dos bairros do Brás e Bom Retino, na região central de São Paulo, têm o foco de venda no atacado. As peças que são vendidas no varejo não têm representatividade real nos lucros das marcas – por mais que o volume de pessoas que se aglomera nas lojas seja grande.

Muitas confecções vendem no atacado para lojas multimarcas, que em geral integram pequenas redes de varejo regionais, ou pequenas lojas e boutiques. Nas negociações, o departamento de compras das lojas faz suas encomendas com base no catálogo que as marcas produzem com as coleções.

As roupas são então enviadas com a etiqueta da confecção e comercializadas quase sempre por pelo menos o dobro do valor pago pela peça.

Embora as lojas multimarcas representem uma boa fatia no lucro destas confecções, a galinha dos ovos de ouro é a terceirização para as grandes marcas varejistas. Normalmente, as gigantes do varejo possuem estilistas que criam os modelos das coleções, alguns criam apenas os croquis (desenhos com os descritivos de tecido, detalhes e modelagens), enquanto outros chegam a desenvolver protótipos das peças.

Com o detalhamento das modelagens em mãos, as confecções colocam toda a mão de obra que possuem para produzir as peças, que já saem dos ateliês com as etiquetas das varejistas.

Controle de qualidade

As peças, depois de prontas, passam por um rigoroso controle de qualidade, já que grande parte vai para as mãos de um público muito exigente que paga alto por cada peça e que reclama por um único fio fora do lugar. Para evitar que as peças que não passam neste controle de qualidade reflitam negativamente no montante final de produtos, as confecções produzem cerca de 30% a mais de mercadoria e englobam este valor na nota final.

Ou seja, as marcas pagam pelas peças que são descartadas.

Estas peças que não passam no controle de qualidade muitas vezes possuem defeitos imperceptíveis, como um pesponto meio torto, um botão com um detalhe oxidado, fios puxados, variação de cores e pedrarias, e por aí vai. O fato é que, normalmente, nenhum dos produtos tem um defeito relevante para descarte.

Essas peças voltam para as confecções, que trocam as etiquetas dos grandes varejistas pela marca própria e viram um grande bolo de peças que atravancam e assoberbam os depósitos.

Para que o “problema” seja resolvido de uma vez por todas, as confecções “queimam” as peças no varejo popular, onde ficam à venda por preços alarmantes de tão baratos.
Levando em conta que as peças já foram pagas pelos clientes das confecções, mesmo vendidas a preços extremamente baixos, elas ainda promovem um lucro significativo, além de não ocuparem espaço nos depósitos que diariamente recebem carregamentos de encomendas.

Famosa José Paulino

É por esta razão que, muitas vezes, passeando pelo shopping é possível perceber que algumas roupas das grandes marcas se assemelham muito às adquiridas lá na famosa Rua José Paulino.

Nesta situação, muitas vezes a tendência é sempre imaginar que a humilde confecção popular copiou o modelo da super marca do shopping, mas a verdade, na maioria dos casos, é que as duas peças vieram do mesmo lugar e foram confeccionadas pelas mesmas mãos. A diferença está unicamente no preço e na etiqueta!

Para quem ficou horas na fila da Forever 21 a procura de moda a preços populares, ou para quem economizou meses para comprar aquele vestidinho incrível naquela GRIFE marca badalada do shopping, fica a dica, de “numa próxima” dar um pulinho até o comércio popular paulista.

Para quem está fora de São Paulo, este mesmo modelo de moda popular se reproduz em polos de confecções, como os existentes em Petrópolis (RJ), Joinville (SC), Maringá (PR), entre outros centros fashions.

Ayla Meireles, colunista convidada, é jornalista e proprietária de uma agência de comunicação.
Mora em São Bernardo do Campo (SP).