Passaporte, por favor

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro vão acontecer, independentemente da situação política. E com toda certeza um dos assuntos com que vamos esbarrar é o controle de fronteiras, o “passaporte, por favor”. Em alguns países europeus isso foi abolido, mas voltou a ser cobrado por conta das ondas dos imigrantes do Oriente Médio e África que têm buscado no continente dos seus antigos dominadores refúgio.

Esse assunto me lembra um filme que vi faz pouco tempo chamado “Caminho da liberdade” (“The way back”, em inglês), de 2010, com o Ed Harris. Narra a fuga real de um grupo de poloneses aprisionados em uma prisão soviética no tempo em que o Stalin mandava na URSS. Os caras vão a pé da região siberiana ao norte da Mongólia até a Índia, passando pelo oeste selvagem da China, porque preferiam ficar sob a jurisdição da coroa britânica.

No final do filme os que conseguem concluir entram na Índia bem maltrapilhos e são abordados por um oficial de fronteira que pede “passaportes, por favor”. Eles olham incrédulos para o homem, que dá uma risada compreensiva e diz apenas “ok, podem vir”.

Como um pensamento leva a outro, lembrei de uma história, também real, mas que não virou filme, só notícia. No final dos anos 90, se a memória não me falha, um grupo de exploradores ingleses construiu uma balsa bem rústica e cruzou do Alaska para a Sibéria só para provar que era possível, confirmando que o homem primitivo deve ter feito esse trajeto.

Bom, acontece que o intrépido grupo não conseguiu descer da balsa em território russo. Simplesmente porque não tinha visto de entrada. Isso aí que você leu: sem visto.

Agora, imagina a cena. Naquela lonjura, que é o leste da Sibéria, na pontinha onde ela quase toca o Alaska, tem uma guarita de fronteira com um guarda. Como o camarada está ali sem ter muito o que fazer, tem que trabalhar, não tem jeito.

Aí ele vê aquela balsa cheia de gente se aproximando. Ele sai de seu posto e caminha em direção a eles. Quando o grupo está celebrando seu feito e se preparando para desembarcar ele diz:

– Um momento, passaporte

– Como, senhor?

– Passaporte, por favor!

– Sim, sim, claro, aqui estão.

– Cadê o visto?

– Visto?

– É, visto.

– Mas somos exploradores.

– E daí? A regra é clara: sem visto sem entrada.

– Mas, seu guarda, veja bem, estamos mostrando que é viável atravessar de balsa do Alaska para cá, o que é um grande passo para a ciência…

– Isso não é da minha conta, até porque faz tempo que se sabe que isso é possível e com jeitos mais confortáveis de fazer a travessia, como o avião.

– Meu senhor, não pode relevar esse negócio de visto?

– De jeito nenhum, se eu chegar lá na sua Inglaterra sem visto vocês me deixam entrar? Niet!

– Mas o muro de Berlim caiu.

– Isso foi em Berlim e aqui é a Sibéria.

– A União Soviética acabou.

– Não o controle de fronteira.

– Mas o mundo mudou e…

– E por acaso virou bagunça? Não, então tratem de embarcar em sua balsa de volta para onde vieram.

– Não podemos nem descer para fazer um xixizinho?

– Sem essa de xixi. Vá urinar fora de nosso mar territorial, senão eu atiro.

Afinal, algumas coisas não mudam nunca.

Fernando Neves é jornalista e sócio da Argonautas Comunicação & Design