Diversidade, na prática!

Em agosto de 2009, o Grupo Carrefour, a maior rede de varejo alimentício do Brasil, se viu diante de um escândalo de proporções devastadoras. Vigilantes da unidade da rede em Osasco (SP), com a ajuda de PMs, espancaram um cliente, acusado de tentar roubar o próprio carro, um vistoso EcoSport. O caso ajudou a manchar a imagem da empresa de origem francesa, rendeu processo judicial (nas esferas civil e criminal) e causou um grande trauma à família da vítima.

O caso poderia ter sido encerrado como outro dos “incontáveis mal entendidos” que vemos aqui e ali, no dia a dia do “Brasil sem racismo”. Só que, em vez de enfiar a cabeça no buraco, ou entrar em um estado de negação, a direção do Carrefour decidiu enfrentar a situação.

Na noite de 5 de novembro de 2015, Charles Desmartis, presidente do Grupo Carrefour no Brasil, recebeu o troféu como a empresa-modelo em projetos de diversidade racial. O Prêmio São Paulo Diverso foi criado este ano pela Secretaria Municipal de Promoção e Igualdade Racial (SMPIR), comandada por Maurício Pestana. “As iniciativas não devem ficar apenas no discurso”, pontuou Desmartis.

Como demonstração do engajamento nesta causa, citou números para lá de robustos. Hoje, a empresa que emprega 70 mil brasileiros, dos quais 30 mil apenas na capital do Estado de São Paulo, conta com 58% trabalhadores que se autodeclaram afro-brasileiros. E eles estão espalhados em todos os níveis da empresa. “Nos cargos de gerência, supervisão e diretoria este contingente chega a 58% do total.”

Mas a noite também apresentou outras surpresas bacanas no quesito inclusão e diversidade. Os demais vencedores do Prêmio SP Diverso (no qual este repórter e fundador de 1 Papo Reto atou como jurado) mostraram que as escolhas não deixam dúvidas sobre a seriedade de cada iniciativa empresarial ou pessoal. Um bom exemplo é o jovem Edmilson Nascimento Martiniano, analista pleno de business inteligence do Citibank, homenageado na condição de exemplo de sucesso em matéria de programas de ação afirmativa.

Num breve, mas contundente discurso, Martiniano foi direto ao ponto. “Dizem que as cotas são sinônimo de discriminação e racismo… eu quero este racismo, pois ele é melhor do que o que recebemos hoje da sociedade durante as abordagens policiais, na exclusão das oportunidades de bons empregos e de educação de qualidade, num cenário no qual todos dizem não existir racismo ou discriminação.”

Caindo na real 

Charge de PestanaÉ que o processo de construção do racismo à brasileira – como pontuado por acadêmicos renomados como o saudoso geógrafo Milton Santos e o antropólogo Kabengele Munanga – dá-se de forma silenciosa e numa aura de negação da realidade.

Essa percepção, em linhas gerais, serviu de mote para o discurso do presidente da Bayer, Theo va der Loo. Filho de imigrantes holandeses, ele nasceu no Brasil e contou que sempre esteve atento à importância da diversidade. Apesar disso, no segmento corporativo ele só começou a se dar conta da invisibilidade dos afro-brasileiros quando recebeu um livro de charges produzido por Pestana (nome artístico do jornalista, chargista e atual secretário municipal), que denunciava as principais nuances do racismo à brasileira.

“Ao folhear a obra, me dei conta da dimensão do problema”, lembrou. A partir daí, o executivo marcou um encontro com Pestana e começou a se inteirar um pouco mais sobre o assunto. Em se tratando de uma questão sensível, Loo conta que a adoção de programas do tipo foi difícil, mesmo contando com a vontade do presidente. “Muitas vezes, as empresas têm dificuldades de adotar programas de cotas, porque não sabem como fazê-lo.”

Como exemplo cita a experiência da multinacional alemã, na qual os poucos afro-brasileiros que atuavam por lá não se viam como negros. “Nem sempre é fácil engajar os funcionários nesta causa”, resume o CEO da Bayer. “Nosso desafio está apenas começando.”

Na letra da lei

O Prêmio é a parte festiva, por assim dizer, de um projeto estruturado, tocado pela Secretária. Nesta quinta-feira, 6/11, no Auditório Elis Regina, no Anhembi, é realizado o 2º Fórum de Desenvolvimento Econômico Inclusivo, que funciona como um espaço de discussão sobre as vantagens da inclusão racial. “A cidade de São Paulo se antecipou a muitas políticas afirmativas e hoje é modelo na América Latina”, destacou Pestana. “Não existe crescimento econômico justo sem inclusão racial e social.”

Este avanço está ligado à aprovação da lei de cotas, de autoria do vereador Paulo Batista dos Reis (PT). Sancionada em dezembro de 2013, a lei obriga que os concursos públicos reservem pelo menos 20% das vagas aos autodeclarados afro-brasileiros. “Até 2015, nos cargos de elevados salários, como a procuradoria, existiam apenas dois negros. No concurso realizado em 2015, dos 70 aprovados 17 são afro-brasileiros”, completou o secretário.

Na visão do parlamentar, a luta está longe de chegar ao fim. “Minha ambição é ver o prefeito adotar este critério nos cargos de livre provimento: desde os estagiários até os secretários municipais, passando pelos presidentes e diretores de estatais e os administradores regionais.” O parlamentar também foi homenageado por sua contribuição à promoção da diversidade na cidade de São Paulo.