A cana (ainda) como protagonista

O álcool derivado da cana-de-açúcar, depois batizado com o pomposo nome de etanol, sempre esteve na linha de frente do debate sobre bioenergia no Brasil. E não poderia ser diferente. Afinal, os estragos causados na economia mundial por um devastador “choque do petróleo”, em 1973, levou o governo do general Ernesto Geisel a empreender um grande esforço na criação do substituto verde-amarelo para o petróleo. Foi neste contexto que em 14 de Novembro de 1975 foi assinado o decreto n° 76.593 instituindo o Pró-álcool, baseado na cana-de-açúcar.

Decorridos 40 anos, vemos que o etanol deixou de reinar absoluto, na lista de combustíveis renováveis.

Apesar disso, a cana se mantém como o mais importante insumo agrícola na matriz energética brasileira. Quer seja alimentando motores de veículos ou por meio da produção de energia – a partir da queima de seu bagaço em caldeiras que geram o vapor responsável por mover turbinas de empresas dos mais variados setores industriais. Nos últimos 15 anos, a soja, o milho e até a mamona, de onde se extrai o biodiesel, também cavaram seu espaço na lista de opções do campo aos derivados do petróleo.

Graças, em boa medida, à entrada em cena de gigantes globais e também dos esforços da Petrobras. A estatal petrolífera renovou suas apostas no segmento como forma de ajudar a atender a determinação do governo de elevar a mistura do biodiesel no diesel mineral vendido no país. A meta é passar dos atuais 7% para 10%, em 2020.

Para se ter a medida exata do que isso significa, basta lembrar que o avanço em dois pontos percentuais, de 5% para os atuais 7%, devem gerar uma economia anual em torno de R$ 2,3 bilhões com a importação de diesel mineral, de acordo com cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

A diversificação da base de insumos para a indústria do biocombustível segue a trilha do que foi feito especialmente na Europa. “Em Portugal, os bagaços resultantes da produção e azeite e de vinho são usados como matéria-prima para produzir energia”, conta Carlos Farinha e Silva, vice-presidente da Pöyry para a América Latina. A consultoria de origem finlandesa é uma das mais atuantes no segmento de bioenergia.

Ok. Mas voltemos à cana.

Nem mesmo dois anos marcados por um verdadeiro “canavial de fortes emoções” (no qual se testemunhou a quebra de dezenas de empresas e acusações de falta de apoio do governo ao setor) foram suficientes para fazer com que esta cultura perdesse seu charme. Prova disso é que os substratos da cana (como o bagaço, a palha e o vinhoto) continuam sendo disputados por inúmeras empresas.

A começar pela paulistana GranBio, a primeira a colocar em operação uma usina de etanol de segunda geração (2G), produzido a partir da palha e do bagaço desta gramínea. A usina situada no interior de Alagoas começou a operar no ano passado. Outras que seguiram esta trilha foram a paulistana Raízen, comandada pela família Ometto, e a espanhola Abengoa, cujas bases produtivas ficam em São Paulo.

Apesar de mais caro em relação ao método tradicional, a produtividade do 2G é extremamente elevada, o que equilibra a equação. “Alguns destes projetos têm potencial para produzir até 10 mil litros por hectare”, destaca Artur Yabe Milanez, gerente do departamento de Biocombustíveis do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um salto e tanto se considerarmos que o setor levou quase 30 anos para elevar a produtividade de três mil litros por hectare para os atuais sete mil litros, nas lavouras convencionais.

Mas no que depender do paulistano Alessandro Gardemann, 32 anos, o etanol 2G não será o único destino do bagaço de cana. Nem a vinhaça seguirá apenas adubando as lavouras. O empreendedor enxerga estes componentes como valiosos insumos para a fabricação de biogás. Para isso ele criou a Geo Energética, uma empresa emergente no tamanho, mas superlativa na ambição. “Vamos investir R$ 2 bilhões para implantar 40 usinas pelo Brasil afora, capazes de gerar 600 megawatts de energia elétrica”, disse a 1 Papo Reto.

Como funciona

O sistema desenvolvido pela empresa leva em conta a degradação da matéria orgânica. O gás se dá a partir da decomposição destes insumos, cujo processo é acelerado a partir do uso de bactérias desenvolvidas nos laboratórios de empresas de biotecnologia. É este gás metano que alimenta as turbinas de termelétricas.

Porém, Gardemann deixa claro que a grande sacada da Geo Energética foi o desenvolvimento do processo produtivo. “Nosso maior diferencial é o tamanho dos reatores e a eficiência gerada no processo”, conta o empresário sem, no entanto, abrir mais detalhes. De acordo com o empresário, essa tecnologia já vem se provando eficiente desde 2006, quando foi inaugurada a primeira planta-piloto da empresa.

Em 2010, foi aberta uma unidade em escala industrial no Centro de Pesquisas e Referência em Biogás, em Londrina (PR), na qual foram investidos R$ 60 milhões. Uma parte dos recursos foi obtida por meio de linhas de financiamento do BNDES e da Financiadora de Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e da Tecnologia. A unidade tem capacidade de produzir 4 megawatts de energia (MW), suficientes para abastecer cerca de seis mil residências.

O trabalho chamou a atenção de gigantes globais como a americana General Eletric (GE), que comprou, em 2013, uma parte da Geo Energética. “Isso indica que estamos no caminho correto”, avalia Gardemann. Apesar disso, o empreendedor sabe que ainda terá de trilhar um longo caminho pela frente, para que sua empreitada consiga um lugar no disputado setor brasileiro de energia.

Um dos grandes obstáculos é a falta de uma política tarifária que contemple as especificidades do biogás. A expectativa era que no leilão A-5, que será realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 27 de abril, esta fonte fosse contemplada. O que acabou não ocorrendo, uma vez que foram definidas apenas os valores para a participação de projetos eólicos e de geração de eletricidade a partir da biomassa.

Gardemann deixa claro que não pretende disputar espaço com as usinas tradicionais de etanol, que usam a queima do bagaço e da palha para produzir energia no sistema de cogeração a partir da movimentação de turbinas a vapor. Tampouco, quer concorrer com as hidrelétricas ou as termelétricas.

Seu foco são os grandes consumidores de energia, especialmente do setor industrial que se satisfazem sua demanda no chamado mercado livre e não podem prescindir deste insumo. “A energia gerada a partir do uso do biogás será sempre complementar”.

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