Um cenário difícil. Mas ainda há esperança

No dia 24 de fevereiro, uma notícia mexeu com o segmento de bioenergia no Brasil. O Grupo Antonio Ruette Agroindustrial, de Monte Azul (SP), ingressou na Justiça com pedido de recuperação judicial, alegando incapacidade de honrar suas dívidas estimadas em R$ 340 milhões. A decisão arrasta para a “bacia das almas” mais um tradicional produtor de açúcar e etanol, expondo a fragilidade do segmento que continua sendo a vanguarda do setor de bioenergia no Brasil, mas que teve pouco, muito pouco, o que celebrar nos últimos cinco anos.

É bem verdade que, assim como a agricultura, em geral, o setor de bioenergia, em particular, não é uniforme. Muito pelo contrário. Pois contempla desde empresas modernas comandadas por grupos com musculatura avantajada e presença global e negócios bem estruturados erguidos nos últimos 10 anos até empresas centenárias que, infelizmente, parecem ter parado no tempo.

Diante disso seria reducionista, e até leviano, dizer que investir em açúcar, etanol e bioenergia derivada da cana tenha se tornado um péssimo negócio. Apesar do fechamento de 66 usina,s desde janeiro de 2008, e da entrada em recuperação judicial de outras 70.

Mas aconteceram coisas boas também.

A começar pela retomada da construção de usinas, pelo início das operações dos projetos de etanol de segunda geração (2G), além da diversificação das fontes de matéria-prima, por meio da utilização do milho na produção do combustível que alimenta boa parte da frota de veículos que roda no Brasil.

Sem contar a entrada em cena do biogás, obtido a partir da decomposição de matéria orgânica (palha, bagaço o vinhoto) resultante da produção de açúcar ou álcool.

Nesta série de reportagens que começa a ser publicada nesta terça-feira, 31/3, procuramos dar vez e voz a alguns dos principais interlocutores do setor de bioenergia para que eles contem o que estão fazendo e o que o futuro nos reserva nesta área.

Crédito, a princípio, não deve faltar. “Este será um ano-chave para entendermos o apetite dos empresários do setor e suas condições para voltar a investir”, diz Artur Yabe Milanez, gerente do departamento de Biocombustíveis do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo ele, no triênio 2012-2014 os desembolsos médios do banco atingiram R$ 5,5 bilhões, por ano. Para 2015, a estimativa é atingir a marca de R$ 6 bilhões.

Estas linhas incluem recursos do Banco e também aquelas oriundas da Financiadora de Projetos de Pesquisa (Finep), dentro dos programas de fomento à inovação. No entanto, eventuais ajustes para baixo não estão descartados. “Teremos de adequar os recursos à nova realidade orçamentária do país.”

Outra boa notícia, e que representou um alívio na quase sempre deficitária contabilidade dos usineiros, foi a decisão do governo federal de ampliar o percentual de mistura de etanol anidro na gasolina. Em 16 de março, a participação passou de 25% para 27,5%. Estes 2,5 pontos percentuais garantem incremento de 1 bilhão de litros nas vendas previstas para este ano. “O governo brasileiro é um dos que mais apoiam os biocombustíveis”, destaca Milanez, do BNDES. “Uma prova disso é que nos Estados Unidos a mistura do etanol de milho à gasolina é de 10%.”

A situação, no entanto, poderia estar melhor. É que, além de açúcar e etanol, as usinas também são, por assim dizer, um campo fértil para a produção de energia elétrica. Especialmente na modalidade de co-geração, a partir da queima de biomassa (bagaço e palha da cana). O problema é a falta de uma política de incentivo.

Isso poderia ser resolvido na fixação do valor do MegaWatt por hora (MWh) nos leilões de venda de energia oriunda de Fontes Alternativas (LFA), realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

No pregão A-5, marcado para o dia 27 de abril, mais um vez o preço-teto de R$ 215  por MWh desagradou o setor de etanol. “O valor é apenas 3% superior em relação ao último leilão (A-5/2014), enquanto para a fonte eólica estabeleceu-se R$ 179/MWh, um aumento de 30,6% em relação ao último pregão”, critica Zilmar de Souza, gerente de bioletricidade da UNICA, entidade que reúne os usineiros.

Mas, afinal, qual seria o valor justo para ajudar a viabilizar este verdadeiro pré-sal energético? “Os projetos (usinas) são muito heterogêneos e por isto não há como ter um preço padrão”, diz o técnico da UNICA. “O que podemos afirmar é que a R$ 209 por MW/h houve uma contratação irrisória de projetos novos, e que a R$ 215 é provável que se repita o cenário visto em 2014.”

Milanez, gerente do departamento de Biocombustíveis do BNDES, avalia que as condições objetivas para o desenvolvimento da bioenergia estão postas. E, segundo ele, o governo tem sido um ator importante neste processo. Especialmente no que se refere ao etanol. “O setor vai se recuperar na medida em que apostar cada vez mais na tecnologia e na inovação”, conclui.

A seguir vamos conhecer algumas histórias que falam de desafios e sucessos na área da bioenergia.

A cana (ainda)

Opções que brotam no campo